quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Dois pesos, duas medidas


Um homem morreu em condições ainda não esclarecidas, esta semana, no Recife. Foi encontrado morto num conhecido 'inferninho' da cidade, bastante freqüentado por turistas europeus em busca de sexo pago.

Os poucos leitores que se aventuram a acompanhar os três jornais de circulação diária da capital pernambucana podem se perguntar, assim como eu, o porquê de apenas um dos matutinos ter informado, na matéria sobre o caso, que o estabelecimento se tratava de um inferninho.

Apenas o Diario de Pernambuco contou a história com esse - ao meu ver, nada descartável - detalhe. Como o próprio DP reporta, a principal função do local é clara, nada escondida, inclusive declaradamente aberta no site da boate-hotel-bar (logo na home, o texto avisa - em alemão ou nas outras três línguas disponíveis, que o local não é recomendado para famílias com crianças ou turistas que procuram um ambiente tranquilo).

A Folha de Pernambuco e o Jornal do Commercio fizeram cara de paisagem e trataram o estabelecimento como um barzinho aprazível e insuspeito.

Tenho ojeriza a teorias da conspiração. Também abomino a postura de alguns críticos que procuram cabelo em ovo. Acho muitíssimo exageradas algumas posturas, que a tudo culpam o 'sistema econômico'. Mas, diante dessa situação, baixo um pouco a guarda e me atrevo a perguntar: por que esse silêncio, ora bolas?

Será que esse respeito e discrição - legítimos caso fossem sempre utilizados pelos jornais, independentemente sobre quem se estivesse falando - teriam acontecido se a vítima em questão não fosse de classe média, não morasse em bairro nobre e não tivesse uma profissão tradicional?

Na minha concepção naive, o respeito com o qual o caso foi tratato deveria valer sempre, para todo mundo. Vocês devem se lembrar do recente post sobre o caso da moça desaparecida, que teve a vida amorosa revolvida no próprio DP.

Algumas coisas nunca mudam. Ao menos no Brasil, onde a lógica do "sabe com que você está falando" ainda reina, impávida, nas nossas mentes, atos e posicionamentos.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Entre o copo e o cinzeiro

fonte: Der Spiegel"Se eu quiser beber eu bebo
Se eu quiser fumar eu fumo
Não me interessa mais ninguém
Se o meu passado foi lama
Hoje quem me difama
Viveu na lama também "
(trecho de 'Lama', de Arrigo Barnabé)


Duas questões de saúde e segurança públicas estão sendo tratadas sob vieses completamente diferentes por uma parcela da imprensa. Aqui, vou me ater à pernambucana.

Enquanto a questão da proibição do fumo em ambientes públicos é reservada aos cadernos de cotidiano, com a tônica de problema de vigilância sanitária, com foco no incentivo à resolução, a decisão de impedir a venda de bebidas alcoólicas nas rodovias federais virou fato econômico - sob a ótica de fechamento dos negócios e possível aumento no desemprego no setor. A exceção é de algumas matérias nos cadernos culturais, que trazem a discussão sobre o que chamam de "direitos dos fumantes em xeque".

A campanha contra a proibição de venda de bebidas é clara nos jornais. Os restaurantes vão quebrar, os garçons perderão emprego, as pessoas deixarão de ir aos estabelecimentos. Pelo discurso, o caos será instaurado na economia pernambucana com a manutenção da medida. O pandemônio, em suma.

Seguem algumas manchetes:

sobre a proibição de venda de bebidas nas estradas:
Lei seca ameaça empregos de bares e restaurantes - JC, 22/02
Editorial: os perigos da lei seca, JC, 16/02
Lei seca ameaça o turismo - JC, 09/02
OAB quer flexibilizar MP das medidas - DP, 21/02
Protesto de donos de bares interdita BR - 232 - DP, 21/02

sobre o fim do cigarro em estabelecimentos:
Cerco fechado aos fumantes - JC, 12/02
Bar que não punir fumo será multado - JC, 09/02
Proibido fumar! Reunião discute início das fiscalizações em bares - DP, 11/02

No meu entender, dois pesos e duas medidas estão sendo usados para lidar com o tema.

Esta semana, escutei até como argumento contra, numa entrevista para programa de TV, o "fato" que já houve afastamentos de funcionários temporários após o Carnaval. Mas não é verdade que, todos os anos, os temporários, como o próprio nome diz, são comumente contratados para o período de festas e, passado o reinado de Momo, logo dispensados? Por que agora a culpa é exclusivamente da falta de álcool às mesas dos estabelecimentos de beira de estrada?

E vocês, o que acham?

Para entender mais sobre o assunto:
Governo proíbe venda de bebibas alcoólicas em rodovias federais - G1, 21 de janeiro 08
Liminar libera venda de bebidas alcoólicas em rodovias do DF - Folha online, 01 de fevereiro 08
Venda de bebida à beira de estrada no Rio volta a ser proibida - Globo online, 26 de fevereiro 08

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

A mão de Obama


Por ser tão recorrente, não me espanta mais a idiotia - travestida de comentários sarcásticos e pretensamente inteligentes -, cometida por jornalistas e não-jornalistas, especialmente no que se refere às tiradas que demonstram um preconceito igualmente insano e arcaico.

Também não me chamam mais tanta atenção - pela recorrência e cansaço - os paradoxos entre uma página e outra da Veja (para os leitores d'além mar, uma tradução: é a revista semanal brasileira de maior circulação e influência).

E, convenhamos, falar mal da revista até já está démodé. Mas não consegui deixar de vir ao teclado ao ler a edição desta semana (os próximos links são para assinantes, infelizmente).

Enquanto, em sua coluna, Diogo Mainardi conta com ojeriza como se deparou com uma horda de pessoas "porcas, feias e de pernas curtas" à saída de um show no Rio de Janeiro, Pompeu de Toledo explana - magistralmente, como sempre - as razões pelas quais acredita que o mundo não será mais o mesmo, caso, pela primeira vez na História, a uma mão negra recaiam as decisões mais importantes do globo (sobre a possível vitória de Barack Obama à presidência dos EUA).

Na mesma coluna, Pompeu de Toledo usa de metáforas tão geniais que me fazem ir à frente do espelho e lamentar minha parca literatura. Ao comentar sobre a dimensão do vulto de Fidel Castro, maior mesmo do que a mítica que envolve a própria Cuba, ele o compara a um "adulto corpulento numa banheirinha de criança" (a banheira como sendo a ilha, naturalmente).

Confesso que gostaria de ser, quando crescer, uma versão de saias do ensaísta. Mas, como possuo pernas curtas (e não tenho problema algum em tê-las, ao contrário de Mainardi), acho bem difícil conseguir chegar lá.

Abaixo, o trecho final do ensaio:

Roberto Pompeu de Toledo - Revista Veja, Edição 2049, 27 de fevereiro de 2008

O tamanho de Fidel, a pele de Obama…

Uma das atitudes racistas mais canalhas é a do branco que, numa disputa com o negro, aponta no próprio braço a cor da pele, para dizer como sua cor é superior à do outro. Um jogador de futebol fez isso, não faz muito, numa partida no Rio Grande do Sul. Essa pessoa que se sente tão superior porque tem a mão branca terá de aprender a viver num mundo (desconcertante, para ela) em que uma mão preta é que assina as ordens que farão a diferença entre a paz e a guerra, o progresso e a crise, ao redor do planeta, além de ter ao seu alcance os botões nucleares. A cara preta de Obama é que aparecerá todo dia nos vídeos do mundo inteiro. O cabelo duro de Obama e os lábios grossos de Obama é que dominarão a cena. A figura negra de Michelle, a mulher de Obama, é que estará a seu lado, nas recepções na Casa Branca e nas visitas a outros países. Isso fará uma enorme diferença no mundo. Fará uma enorme diferença no Brasil.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

De maledicências, veredictos e julgamentos

Serge Moscovici, teórico da psicologia social, afirma em seu livro Representações Sociais que "no pensamento social, a conclusão tem prioridade sobre a premissa, e nas relações sociais, conforme a fórmula adequada de Nelly Stephane, o veredicto tem prioridade sobre o julgamento".

Ou seja, nossa sentença sobre alguém ou alguma coisa vem mesmo antes de vermos e ouvirmos a pessoa/situação em questão. É assim que, segundo o intelectual, nós classificamos os outros e criamos as respectivas imagens mentais. Para Moscovici, essas representações que fabricamos "são sempre o resultado de um esforço constante de tornar comum e real algo que é incomum (não-familiar), ou que nos dá um sentimento de não-familiaridade".

O 'nariz-de-cera' dos parágrafos anteriores serve para ilustrar as minhas sensações ao ler matéria sobre o desaparecimento de uma jovem moradora da Ilha de Itamaracá (PE), publicada na íntegra (só para asinantes) na edição impressa do Diario de Pernambuco de hoje e em versão reduzida no matutino online.

O título, "Evangélica desaparecida há 16 dias", já intriga pelo uso da opção religiosa da moça como aposto. Não me lembro de ter lido alguma vez frases parecidas como: "Procura-se espírita desaparecido", "Católico sofreu acidente" ou "Agnóstico sumiu de casa". Como se o fato de ser ou não evangélico (ou protestante, kardecista, umbandista, ateu) dissesse mais ou melhor sobre alguém do que sua profissão, sexo, faixa etária ou naturalidade.

De acordo com a matéria, é provável supor que a jovem desapareceu devido a intrigas relacionadas à conduta moral da moça, que seriam praticamente trivialidades se o 'desvio' que ela teria tomado não fosse inaceitável pela igreja da qual faz parte. Assim sendo, creio eu, optou-se por utilizar o adjetivo "evangélica" para que se relacionasse melhor o título à situação contada no texto.

Tudo bem, até aí eu compreendo relativamente. Mas minha boa-vontade para com o rumo que tomou a matéria foi para o reino do beleléu quando me deparo com a entrevista realizada com o namorado (suposto pivô, portanto, do imbróglio) da moça. A primeira pergunta fez apertar meu coração de estudante: "O que você acha dessas acusações contra Mirela?"?

Amigos, que os integrantes da igreja que a jovem freqüenta tomem como "acusação" um disse-me-disse sobre sexo entre namorados, eu relevo. Mas nós, repórteres, tomarmos isso como fato e sentenciarmos como acusação a possibilidade de ter ocorrido um ato sexual consentido entre dois jovens maiores de idade, perdoem-me, é de fazer chorar.

"Vocês nunca tiveram relação sexual"? é a pergunta que vem em seqüência. E é da sua conta, cara-pálida? Mais uma vez, o jornalismo corroborando para a manutenção dos arcaismos. E se o rapaz respondesse que sim (o que não o fez)? Estaria, então, dada a sentença do caso pelo jornalista? A moça, enfim, teria incorrido em pecado capital?

O que poderia ter sido uma matéria legítima sobre um fato real e preocupante (desaparecimento de uma jovem), que serviria também de alerta sobre os efeitos maléficos da maledicência e preconceito (a moça ter sido vítima de fofoca maldosa e invasão de privacidade, aliada a uma forte dose de conservadorismo bobo), acabou se transformando - no meu ponto de vista - numa peça tão conservadora e maledicente como a pregada contra a garota. Que Mirela não vire mais um número nas frias estatísticas, encontre seu caminho e volte logo para casa.

Pingos nos is

(se ainda não fiz, ainda há tempo para um esclarecimento, que sempre faço aos meus alunos. visto, sem medo, a carapuça para boa parte das críticas à imprensa que tenho feito e ainda farei neste espaço. se eu aponto as falhas, é porque também já tropecei muito pelo caminho, e para que pensemos sobre elas - e, se possível, não as repitamos. pois que falar é sempre mais fácil. difícil é arregaçar as mangas e fazer acontecer)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

A Flor e a Náusea

do site releituras


Notícia boa merece ser reverberada. Espalhada aos quatro ventos. Tal como a boa nova que vem do OmbudsPE, projeto que monitora a imprensa pernambucana, especialmente no que concerne a respeito aos direitos humanos.

O site havia publicado, em novembro, um comentário sobre os famigerados anúncios publicitários disfarçados de notícia, com destaque para os veiculados no Jornal do Commercio. A denúncia foi enviada à Agência Nacional de Jornais (ANJ).

No início deste mês de fevereiro, a ANJ reconheceu o erro e mandou resposta pela assessoria de imprensa:

"Informo que a diretoria da Associação Nacional de Jornais, depois de consultar o Jornal do Commercio a respeito da denúncia por você encaminhada, de que o jornal havia veiculado publicidade sem a devida caracterização, considerou satisfatória e adequada a explicação daquele periódico. O Jornal do Commercio admitiu o equívoco, explicando que deveu-se à falha da agência de publicidade e falta de comunicação com a equipe de produção do jornal. O anúncio foi produzido sem a devida caracterização pela agência e esta falha passou despercebida pelo editor da página. Além de lamentar o equivoco, o Jornal do Commercio manifestou a certeza de que não voltará a ocorrer. Agradecemos sua iniciativa de apontar o problema, que consideramos como uma contribuição para o padrão de jornalismo ético defendido pela ANJ."

A equipe do OmbudsPE informa que "a resposta da associação empresarial nos anima para que utilizemos ainda mais esse canal para apontar desvios no código de ética apontado pela própria entidade". Link completo do texto.

Não lhes parece essa notícia um pouco com a flor de que falava Drummond? Um fiapinho de esperança em meio às náuseas do mundo.

A Flor e a Náusea
(Carlos Drummond de Andrade)

"Preso à minha classe e a algumas roupas
Vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo? Posso, sem armas, revoltar-me?

(...)
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia.
Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia.

Mas é uma flor.
Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. "

(leia o poema completo)

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Espelho, espelho meu


Caros, iniciei uma pesquisa sobre a imagem que os jornalistas têm de si mesmos. A idéia é, posteriormente, realizar um estudo comparativo com profissionais de outro país. A base teórica desta análise está nas representações sociais.

Estou convocando interessados a participar, respondendo a um questionário eletrônico (que é rápido, indolor e livre de gorduras trans).

Quem topar, favor entrar em contato pelo adriana.santana@superig.com.br . Agradeço antecipadamente!

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Vai um release aê, tio?


Recentemente, vocês devem ter lido por aí (se não, cá está link da matéria no Estadão), a France Presse baixou uma norma para que os coleguinhas dessem um tempo no uso da Wikipedia e do Facebook para produzir matérias. A justificativa passava pela questão da confiabilidade das informações veiculadas pelas novas fontes. E, cá pra nós, entre sair à rua e acessar a Web, muitos preferem a segunda opção.

Hoje, recebo informação do jornalista Marcelo Soares, do blog E você com isso?, a respeito de um serviço que está 'bombando' a rede: a Business Wire. Que, em resumo, é uma grande difusora de press-releases. A empresa cadastra seu material e espera ele circular nas melhores caixas postais do ramo. Nada contra e nada novo. O Comunique-se disponibiliza esse serviço e muitas outras empresas são dedicadas a isso.

O nó da questão é, como disse antes, que o serviço parece estar 'bombando'. O que pode vir a significar que muita gente - e aí incluo coleguinhas - deve estar usando o site como fonte de informação. A Read Write Web reporta que a BW ocupa a 32ª posição no ranking da Techmeme Leaderboard - o Techmeme é um site que rastreia as informações mais relevantes sobre tecnologia, linkando para os sites-fonte de informação. A BR está deixando alguns sites-referência comendo poeira, a exemplo do Guardian (45ª posição) e o Washington Post (69ª). Acabei de checar listagem, e a BR subiu para a 28ª posição.

Não vejo problema em fazer do release mais uma fonte de informação, muito pelo contrário. Há releases que deixam muita matéria de veículo com cara de receita de bolo. O pulo do gato é não usar o danado como fonte única, obviamente, mas como ponta-pé, acréscimo, coisas assim. Mais do que isso, é esmola.

E esmola, vocês sabem, vicia o cidadão.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

imposturas intelectuais


Dia desses, li uma matéria bem amarrada, super redondinha e bem escrita, com vários depoimentos acerca da proibição de cigarro e congêneres em quaisquer ambientes - aqui e alhures. Um deles, em especial, me deixou encafifada, tal qual diria a Luluzinha.

Um intelectual, contrário à medida, bradava que o ato de fumar estava diretamente ligado a um tempo em que nosotros escrevíamos, pensávamos, amávamos e até viviámos melhor. Isso mesmo, vocês não leram errado.

Para o entrevistado em questão, a fumaça teria esse poder mítico tamanho, capaz de deixar afluir o talento, de fazer aflorar as mais legítimas inspirações artísticas. Algo como uma versão fumê das musas da antiguidade clássica.

Concordando ou não com o argumento, e aí coloco o jornalismo na conversa, comecei a me indagar sobre o papel do repórter em situações como essas.

O autor da matéria em questão colocou, logo em seguida a esse depoimento, uma declaração de Danuza Leão, fumante, mas que se afirmava solidária à causa anti-tabagista. Não sei, mas ainda assim senti falta de algum depoimento que comentasse a declaração do intelectual, talvez um pesquisador ligado à área de comportamento humano para explicar se essa relação prazer do cigarro x inspiração teria algum fundamento, ou então que não passaria de balela das grandes (voto nessa alternativa). Algo que ao menos movimentasse a discussão em torno da declaração tresloucada do cidadão.

Sabem, acho que devo estar ficando velha pr'algumas coisas. Noutros tempos, morreria de rir ao ler as aspas desse cara. Hoje, fico me perguntando o que se passa na cabeça das pessoas para soltarem tamanha asneira quando avistam um gravador, microfone ou bloquinho. Será que é a síndrome do "quero ser eternizado por minhas frases de efeito e estilo cabeçóide"?

(o título deste post é uma referência ao ótimo - e polêmico - livro Imposturas Intelectuais, com o qual já dei sonoras gargalhadas)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

"Grave e estável"

Lendo alguns veículos de língua portuguesa sobre o recente e triste atentado ao presidente do Timor-Leste, José Ramos-Horta, percebi que boa parte destaca a expressão médica "grave e estável" para descrever o estado de saúde do ganhador do Nobel da Paz de 1996 (compartilhado com o bispo Carlos Filipe Ximenes Belo).

Entendo que os boletins médicos queiram expressar que, apesar da gravidade, o quadro geral se mantém em estabilidade, sem grandes alterações. Vá lá... Mas acredito que a expressão deveria ser acompanhada de um mínimo de explicação. Tarefa, naturalmente, não dos médicos, mas de nosotros.

De toda forma, colocar num mesmo nível a 'gravidade' e a 'estabilidade' soa, no mínimo, estapafúrdio. Assim como dispor na mesma vala "calmo" e "possíveis distúrbios", como reportou o blog Timor-Online.

Vocês concordam? Ou será que estou sendo preciosista ou ranzinza demais? (Caso positivo, relevem, deve ser fruto da segunda-feira).


Resta esperança:

Apropo: abaixo, letra da canção East Timor, libelo a favor da libertação do então Timor-Leste da Indonésia.

(por Henning Kramer Dahl,Havard Rem,Morten Harket)

EAST TIMOR
Sandalwood trees are evergreen
Cut them down
Plant coffee beans
Build no schools
Construct no roads
Mark them as fools
Let ignorance rule
Leave them stranded on their island
Treat them to the tune of silence
Red is the cross that covers out shame
Every Kingdom, every land
Has it's heart in the common man
Silently the tide shifts the sand
Bury my heart on East-Timor
In coral sands
On golden shores
Buried are those
Who lived their lives
No place to hide for
Father and child
Leave them stranded on their island
Treat them to the tune of silence
We shake the hands that kill and forgive
Every Kingdom, every land
Has its heart in the common man
Silently the tide shifts the sand
Bury my heart on East-Timor
On barren graves
Where flowers won't grow
Blooms our Red cross lovingly
This nightingale deed
So we can be free
Stranded on their island
This army of the silent
We toast our own goodwill and forget
Every kingdom, every land
Has its heart in the common man
Silently the tide shifts the sand

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Pânico no sistema nervoso

imagem: www.sitedoescritor.com.br Castro Alves (Muritiba, 1847 - Salvador, 1871)

Uma das mais engraçadas historietas que já circularam nas rodas de jornalistas de Pernambuco dava conta de uma personagem que, em entrevista a uma rede de televisão, reclamava do "sistema nervoso que o médico havia colocado" no marido.

Segundo a aflita esposa, antes de fazer determinada cirurgia (não me lembro qual tipo), o cidadão era pacato, tranquilo, quase angelical. Depois da intervenção, no entanto, o pobre coitado passara a "sofrer de sistema nervoso". Eu assisti à matéria, que foi ao ar no final dos anos 90, e quase fiquei também com sistema nervoso, de tanto rir. Eu sei, a situação era trágica - mas tinha lá sua boa dose de comicidade.

Ontem, assistindo a uma emissora local, vi um policial sendo entrevistado a respeito da prisão de suspeitos de assalto. No final da conversa, ele resolve explicar como havia encontrado o bando: "Eles estavam esperando por um mecânico, pois o carro deles entrou em pânico". Juro que ouvi isso.

O riso foi inevitável, mas a vontade foi de chorar.

Sei que, nesse caso, os coleguinhas não tiveram culpa alguma. Mas, por alguma louca associação, lembrei-me do desespero de um repórter iniciante que, ao presenciar o comportamento de um colega, que demonstrava total ausência de ética e desrespeito com a fonte, ouviu um "bem-vindo ao jornalismo" como justificativa.

Sei que posso incorrer no erro de estar eternamente presa a uma visão boba, naïve e descolada da dura realidade, mas ainda prefiro me agarrar à ética em tempos de desespero.

Tal como Castro Alves, no poema O Laço de Fita, prendi-me a ela e não quero soltar.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A casa, a rua e o outro mundo


Por sugestão - e empréstimo - do meu orientador, estou (re)lendo Roberto DaMatta, desta vez sem a obrigação da leitura, o que torna a experiência ainda mais agradável.

Recomecei pelo clássico A Casa e a Rua. Havia esquecido como o antropólogo consegue dizer tanto, e quase tudo (o que não é pouco!) sobre a alma brasileira, numa escrita simples, sem rodeios, macia e, por que não dizer, malemolente.

Na minha humilíssima e igualmente leiga opinião, uma das sacadas mais geniais do pensamento social brasileiro reside na idéia de analisar o País sob a égide da tríade 'casa, rua e outro mundo'.

Numa síntese bem rasteira do pensamento do antropólogo, ele defende magistralmente que não se pode ter uma visão completa do fazer e ser brasileiros se não tivermos em mente que vivemos e convivemos sob essas três instâncias. O que, conseqüentemente, leva a sociedade brasileira a adotar ao menos três comportamentos e três éticas concomitantemente.

Ainda mais genial é a constatação que a sociedade brasileira é relacional, ou seja, as mobilidades só existem mediante as relações de compadrio, de amizade, de conhecimento. Assim, no Brasil, o que vale mais é a pessoa, e não o indivíduo.

E o melhor de tudo é que, ao contrário dos críticos ferrenhos, não há qualquer nesga de ranço ou mesmo asco com o país que analisa. As mais duras constatações, como as presentes ao avaliar um dos nossos traços mais tétricos (para usar uma expressão dele) - o famigerado "sabe como quem você está falando?" -, são postas como leituras do Brasil, nunca como manifestos contrários ao lugar. Posso estar errada, mas lendo seus ensaios, o que parece emanar do autor é um profundo, sincero e declarado amor por esse complicado pedaço de chão.

Impossível não fazer uma associação às avessas com boa parte dos estudos sobre o jornalismo que vejo por aí - dentro e fora da Academia - , os quais demonstram uma intransigência, raiva e recalque (hoje estou hiperbólica, mas nem ligo) pelo objeto estudado.

Mas isso é tema para outro post. Inté!

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Até quarta, Isabela


Caríssimos, amanhã estou de volta, na quarta-feira que é de fazer chorar. Estou recarregando as baterias para retornar à pesquisa e a este blog com gosto de gás. Aguardem.

(o título deste post se refere ao belíssimo livro de Francisco Júlião, líder das Ligas Camponesas, com as as cartas que ele escreveu à filha, que ainda não conhecia, durante o cárcere, à época do regime militar).

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

É frevo, meu bem!

crédito: do site Carnaval de Pernambuco


Meu incômodo com a cobertura carnavalesca parece arrefecer com os anos, de cansaço, mas confesso que ainda me irrita a insistência de alguns veículos em concentrar o tema em trios elétricos de Salvador e escolas de samba no Rio.

Esse comentário poderia ser um ranço bairrista, mas nem é. Abandonei o bairrismo há pelo menos uma década e, ao contrário de parte dos meus conterrâneos, gosto muitíssimo de de SSA e o Rio, claro, lindo continua.

Mas creio que não é pedir demais que o olhar jornalístico seja levado na direção do vento nordeste, para que se veja como o chão ferve na pisada da "mistura colorida da massa", conforme eternizado por Alceu Valença.

E olha que não me refiro a uma forma politicamente correta de dar voz aos 'marginalizados' do 'Norte' (que nem é o nome correto da Região, mas parece que a burra convenção de colocar todos numa só saco amorfo virou praga). Não, não é isso. A questão é jornalística mesmo, camaradas.

Afinal, não é mais do que legítimo conferir o que leva milhões de almas a "sentir a embriaguez do frevo" nas ruas, sem pagar um tostão e não passar pela situação humilhante de se espremer - dentro e fora - de cordões de isolamento?


Querem fatos? Pois os terão:
  1. No Carnaval de Pernambuco, são 10 as cidades-pólo oficiais de folia (em todo o Estado, na Zona da Mata, Agreste e Sertão)

  2. Só no Recife, o folião dispõe de nove pólos centrais de festa, distribuídos entre todos os gostos e ritmos. A saber: Recife Multicultural (no Marco Zero da cidade), das Fantasias & Infantil (as famílias e crianças vão mesmo), Mangue (herança do movimento mangue-beat), Todos os Frevos (não precisa nem dizer), Agremiações (mais de 200 agremiações, entre bois, ursos, troças, clubes de frevo e bonecos, blocos de pau e corda, tribos de índios e escolas de samba), Todos os Ritmos, Afro, Tradições e ainda oito células descentralizadas em bairros e comunidades da capital.

  3. Em Olinda, ah... Que dizer de Olinda? Deixo por conta de um blog criado por um grupo de alunas minhas, nesta postagem divertidíssima, explicar um pouco o que se encontra por lá.
Aos que ainda não conhecem, uma breve lista d'algumas das manifestações populares que tomam conta das ruas, becos, vielas e avenidas desse meu torrão natal:


Papangus - Caretas - Bonecos Gigantes - Caboclinhos - Maracatus e mais Blocos, troças, clubes, carros alegóricos, ursos, bois, tribos, escolas de samba e Frevo, meu povo. Muito frevo.

Pra terminar, um aparte pessoal. Em Vitória de Santo Antão, a 50 quilômetros do Recife, mesmo ante tanta descaracterização e algumas insistências com trios, o Carnaval ainda é magistral. Na rua, na fervura do asfalto, atrás das orquestras, o frevo reina. Ainda bem.

(O título lá e cima se refere a um frevo-canção de Capiba, compositor pernambucano que já se foi para mundos outros. Para ouvir, fazer o passo e pedir bis). Ei-lo:

É frevo, meu bem
(Continental, 1941)

Pernambuco tem uma dança,
Que nenhuma terra tem
Quando a gente entra na dança
Não se lembra de ninguém.
É o maracatu?
Não, mas podia ser.
É o bumba-meu-boi?
Não, mas podia ser.
É dança de roda?
Não, mas podia ser.
Não será o baião?
Quero ver dizer.

É uma dança,
Que vai e que vem.
Que mexe com a gente.
É frevo meu bem!

É dança de roda,
Não, mas podia ser.