segunda-feira, 31 de março de 2008

Terra brasilis


Quarta-feira, 10 de novembro de 1852. Diario de Pernambuco
Desde o dia 31 do mês passado, ausentou-se da casa do seu senhor, em Olinda, um mulatinho de nome João, que terá mais ou menos 13 anos de idade, com os sinais seguintes: cor clara, cabelos pretos grossos e estirados, olhos regulares, nariz achatado, aspecto espantado e franzino do corpo, vestindo ceroula de algodão, branca e camisa de madapolão já usado e chapéu de palha; contra quem quer que o detiver com outro fim, que não seja o de restituí-lo, e por mais tempo do que o suficiente para avisar, protesta-se usar da faculdade da lei; paga-se também, generosamente, a quem o apresentar a Guimarães & Rocha, na rua da Cadeia do Recife nº 40.


Terça-feira, 25 de março de 2008. Universidade Federal de Pernambuco
Dificuldades de adaptação à língua, ao clima e costumes de um lugar são consideradas problemas pequenos diante do preconceito que alguns estudantes estrangeiros negros sofrem no Brasil. Roelaudelo de Silva, 18 anos, oriundo de Guiné-Bissau, na África Ocidental, é um exemplo. "Não vejo no meu país alguém tratar um estrangeiro com preconceito. Já aqui no Recife, disseram para mim: 'Preto, volta para tua terra'. Infelizmente, percebo ainda muito preconceito aqui no Brasil", relata o estudante.


(Meus alunos da disciplina Jornalismo Investigativo, da UFPE, estão começando a mostrar a que vieram. Semana passada, deixaram o conforto da sala por menos de uma hora para 'escavar' notícias perdidas pelas cercanias. Para minha alegria, conversaram com muita gente, conheceram muitas histórias. Foi só um exercício de 'levantar da cadeira e cair no mundo', o primeiro de uma série. Mas os resultados são um prenúncio do que virá. A entrevista e o texto sobre o estudante de Guiné-Bissau são de autoria da repórter Juliana Albuquerque, do 7o período de Jornalismo da UFPE.)

sexta-feira, 28 de março de 2008

Aos jornalistas não-cordiais

Projeto Marcas da Violência, uma das frentes do PEbodycount
(atualizado em 31 de março de 2008, segunda-feira)

Quando se está entrando no universo acadêmico, a exigência (por vezes, quase paranóica) pelo reconhecimento dos pares, publicação de artigos em revistas científicas, participação em congressos e coisas do gênero, assemelha-se - com muita licença poética e exagero da minha parte - às provações do paciente Jó. E comigo não é diferente, claro. Mas confesso aos meus igualmente pacientes leitores que, apesar de não me furtar a cumprir todo esse ritual de iniciação, satisfação verdadeira eu só alcanço quando esse reconhecimento parte do 'lado de fora'. Afinal, o grande propósito do que se produz nas universidades não é, no final das contas, mobilizar a vida 'real', por assim dizer?

Pois foi o que me aconteceu hoje. Grata surpresa do mundo lá fora. Numa participação do projeto PEbodycount no II Encontro Anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o editor Carlos Eduardo Santos, um dos coordenadores da iniciativa, citou o meu trabalho sobre a cordialização no jornalismo para, ao final, se auto-intitular, juntamente com seus colegas bodycounters, como jornalista não-cordial.

Não entendo patavinas de futebol, mas a sensação foi de gol marcado aos 45' do segundo tempo, definindo um título mundial. Obrigada, caríssimos. Nem tanto pela lembrança, mas bem mais por vocês porem em prática um jornalismo que não se furta ao desconforto da rua, ao confronto, e ao respeito pela dignidade dos que vivem e morrem vergonhosamente invisíveis.
Para saber mais, é só acessar este post do PE Body Count.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Quem avisa, amigo é

Amigo da Onça, personagem de Péricles


IMPRENSA - Que conselhos você daria para alguém que está começando no jornalismo?

Pompeu - 1) Abandonar imediatamente a profissão e escolher outra. 2) Se não for possível isso, procurar se estabelecer por conta própria na Internet, com patrocínio próprio que não interfira na sua independência. 3) Se isso também não foi possível, procurar manter a dignidade profissional e preparar-se para uma vida de sacrifícios.

(excerto final da entrevista concedida pelo jornalista Renato Pompeu à repórter Ana Luiza Moulatlet, publicada hoje no Portal IMPRENSA. na íntegra aqui)

quinta-feira, 20 de março de 2008

sou sua amiga bicicleta


dois estudantes de jornalismo + duas bicicletas = reportagem das boas e contato com personagens que não faria feio a João do Rio. ainda não conhecia o iluminado projeto capitaneado por Ellen Araujo e Felipe Luchete, 20 aninhos, os repórteres de bicicleta da figura acima, que desde o ano passado percorrem as ruas da mineira Viçosa, a bordo de suas magrelas, para contar histórias de quem encontram pelo caminho. Bicinalda e Tonicleta são as alcunhas das bikes.

alegria, alegria, alegria. três vezes mesmo, pois que entusiasmo verdadeiro não se deve economizar.

é por essas e outras que não tenho o menor pudor em gritar aos quatro ventos que o jornalismo é possível. e que vale, e muito, a pena. ganhei o dia, camaradas. o dia, a semana e o ano inteiro.
(para ler João do Rio, vale a pena acessar este link do projeto Domínio Público).

segunda-feira, 17 de março de 2008

Quer "caflito"?


Quem passou dos 30 e, como eu, quando criança costumava se engalfinhar com outros piás em filas quilométricas, só para assistir a um filme d' Os Trapalhões em salas de cinema calorentas e emboloradas, sabe o significado do título acima.

Pois bem, vamos à razão da predisposição pelo "caflito" (conflito, para os não inicidos). Só na semana que passou, recebi dois singelos recadinhos, via e-mail e Orkut, de cidadãos - que se diziam doutores em alguma coisa - oferecendo seus prestimosos serviços de redação de "monografias, dissertações, teses e afins". E ainda me convidaram a adicioná-los como amiguinhos. Que meigo.

Ô, da poltrona, aviso que estou fora. Não que duvide da competência desses senhores. Um texto da Revista Piauí mostrava como um desses ghostwriters mandava ver nas coisas de juntar uma palavra a outra. Não é isso. O problema é que, seja por masoquismo, seja por gosto exótico mesmo, me amarro em estudar. E até em escrever. Sou capaz de, após um dia inteiro dando aula e cuidando das minhas meninas, atravessar a madrugada com a cara enfiada nos livros, tentando aprender alguma coisa. Daí a miopia, talvez.

Então, do próximo e-mail ou convitinho singelo no Orkut, 'cês já sabem. Haverá "caflito"! E dos bons.

sábado, 15 de março de 2008

alguns são mais iguais do que outros

George Orwell: "Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros"

poderia passar a pauta para algum colega da imprensa pernambucana, mas optei por comentar aqui no blog e esperar as reações - espero que haja, e muitas! isso porque o tema envolve, mesmo que bem indiretamente, dois grandes anunciantes locais, e não sei se chegaria a reverberar nos veículos destas paragens. provavelmente, não.

o tema é até (quase) inofensivo, mas não por isso desimportante. a ele, pois:

na zona norte do recife, no bairro de casa forte - local que fez história num episódio da resistência ao domínio holandês, no século 17, hoje um dos mais caros metros quadrados da capital -, há um caso sui generis de civilidade. ao contrário de todas as outras regiões da cidade, existe uma faixa de pedestres que é respeitadíssima pelos veículos. não há um só pedestre que, ao se aproximar dela, não se depare - estupefato, muitas vezes - com os automóveis parando quase que instantaneamente.

a faixa de pedestres em questão fica exatamente entre dois grandes estabelecimentos comerciais. um hipermercado (Hiper Bompreço, do grupo Wal-Mart) e um shopping center (Shopping Plaza). na maioria das vezes, quem a atravessa está se dirigindo a um dos centros de compra.

não que as lojas tenham algo a ver, diretamente, com isso. mas convencionou-se, entre os motoristas e pedestres, que aquele espaço é mais privado do que público. tal como as 'ruas' dos shoppings são limpas e organizadas, e ninguém joga lixo no chão, aquela faixa é rigorosamente respeitada. pois que o domínio do uso, ali, é quase que essencialmente privado, território dos consumidores. não dos cidadãos.

como a relação é de consumo, e não de cidadania, a 'civilidade' se expressa. apontem-me as faixas de pedestre respeitadas nas capitais brasileiras. aqui no recife, não conheço nenhuma - com exceção da 'faixa privada', é claro.

numa comparação emblemática, a faixa de pedestres localizada defronte ao Hospital das Clínicas da Universidade Federal, utilizadíssima pelos pacientes e funcionários do lugar, é quase apenas uma marca no chão. mas como dói, poderia dizer o poeta de Itabira. ninguém respeita.

já parei o carro para que um senhor cheio de ataduras, provavelmente recém-operado, passasse, juntamente com uma gestante de gravidez bem adiantada que também esperava para atravessar a avenida. fui xingada pelos motoristas que vinham atrás. sonoramente xingada.

a dupla - o idoso e a gestante -, sem acreditar que alguém havia, finalmente, se disposto a parar, hesitou por longos instantes. e atravessou a passos rápidos, com medo de um atropelamento.

quem dera nossa civilidade ante a propriedade privada valesse também nas estâncias públicas. quem dera alguns não precisassem ser mais iguais do que outros.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Segregação institucionalizada


"Pessoas da sociedade têm comentado a respeito do problema"; "Quem faz parte da sociedade passa por esse tipo de situação"; "Anotada presença em peso de pessoas da sociedade no evento".

Tenho coletado frases iguais ou similares a essas, publicadas na imprensa brasileira, de Norte a Sul.

Das duas, uma: ou a segregação social, além de existente, passou a ser oficializada por parte do discurso jornalístico, ou o sistema de castas começou a ser adotado no País, sem que ninguém tivesse me informado.

E se alguém não for da 'sociedade', de onde será? Da 'sociedade paralela'? Do 'outro lado do muro'? De Marte, talvez?

Lembrando Roberto DaMatta, o indivíduo isolado, diferentemente da pessoa - essa sim, beneficiada por uma rede de relações de compadrio -, não tem mesmo vez e espaço.

Decreta-se, assim, a inaptidão de muitos para fazer parte do seleto rol de integrantes dessa sociedade nada anônima.

segunda-feira, 10 de março de 2008

La Buena Prensa


Vá lá que fazer críticas não é a coisa mais fácil deste mundo, mas a arte de bem falar de algo é, talvez, tarefa ainda mais difícil e delicada. Pois que o limiar entre o elogio sincero, reflexivo, e a rasgação de seda, no melhor estilo oba-oba, é tenuíssimo.

Entre os pesquisadores e os 'fazedores' do jornalismo, reina, absoluta, a crítica ferrenha à atividade. São raríssimas, quase inexistentes, as iniciativas de apontar e avaliar a excelência de trabalhos jornalísticos. A exceção, naturalmente, é formada pelos prêmios e concursos.

É por isso que pode causar estranhamento, num primeiro momento, um projeto intitulado La Buena Prensa, dica pinçada pelo blogueiro Marcelo Soares, do E Você com Isso?

O sítio, capitaneado pelos professores Miguel Ángel Jimeno e Txema Díaz Dorronsoro, da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra/Espanha, tem como mote e justificativa a frase "porque todos os dias se publicam páginas de bom jornalismo".

Nas palavras dos blogueiros espanhóis, o La Buena Prensa surge "para centrarse en la excelencia —en la planificación, en la información, en el aspecto visual, en la titulación...—. Una excelencia que, quitando algún destello o algún '¿has visto qué gran reportaje publica hoy tal periódico?', apenas tiene 'salida' en el 'mercado'."

Em tempos de tantas pedras atiradas à Geni periodística, não custa embarcar no convite do blog que vem de terras de Espanha. "Lo bueno siempre aporta más, siempre edifica más", reforçam os professores de Navarra. No mínimo, uma espiada fará bem ao coração, e dará uma certa esperança de que o jornalismo (ainda) tem jeito. Imperdível aos, como eu, eternamente enamorados do periodismo.

quinta-feira, 6 de março de 2008

e se o que nos consome fosse apenas fome

"Abre a porteira, que eu quero entrar..."

Assim como biscoito, está na boca do povo a história do menino de oito anos que passou num vestibular para Direito na Universidade Paulista (Unip), em Goiânia. Se não for superdotado ou gênio (algo em que a mãe não acredita - ao G1, disse que o filho é apenas interessado e motivado), a situação deixa às claras, mais uma vez, em que nível (ou falta de) chegou o nosso ensino superior.

Tenho acompanhado alguns casos, se não completamente semelhantes, não muito diversos ao que ocorreu no processo seletivo da Unip. Já me deparei com alunos de cursos de Jornalismo que poderiam, sem sombra de dúvidas, estar enquadrados na categoria de analfabetos funcionais. Não estou exagerando.

Da primeira vez que isso ocorreu, me perguntei de que forma esses jovens haviam conseguido passar no exame de admissão. Da segunda, terceira, quarta e outras tantas vezes que encontrei estudantes universitários nessa situação, me dei conta do óbvio: era evidente que algumas instituições privadas estavam - para dizer o mínimo - facilitando o ingresso desses meninos. Num comentário postado no G1, leitora diz melhor do que eu com a piadinha (editada):

"Tem a história do cara que ligou para a Universidade, pois queria fazer a inscrição para o vestibular. A secretária da tal falcudade responde: "É da Universidade sim, e você já está matriculado. Era só isso?"

É certo que esses alunos já vêm de escolas com sistemas educacionais falidos, sem estímulo, sem leitura e, por vezes, agravados pela falta de acompanhamento dos pais em suas vidas escolares. Mas uma falha não pode justificar outra. Não é porque o ensino médio é falho que o superior deve 'compensar' essa mácula abrindo as porteiras.

Agora, a pergunta que nunca vai deixar de ecoar no meu juízo: como é possível o MEC aprovar não só a criação, como a permanência de algumas faculdades? Ainda não encontrei, por parte do ministério, sequer alguma explicação convincente. Se alguém a tiver, por favor, socializem-na aqui neste espaço.

(agradeço de coração aos posts e e-mails de apoio em relação à saúde das minhas pequenas. pneumonia é traiçoeira, exige cuidados mil, mas elas estão melhorando, graças a Deus).

segunda-feira, 3 de março de 2008

nota pessoal


caríssimos, minhas duas crias estão com pneumonia. entonces, não poderei atualizar o espaço com tanta freqüência nesta semana. sugestões para os próximos posts podem ser enviadas ao e-mail adriana.santana@superig.com.br ou via comentários aqui no blog. até muito em breve!