segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Posturas e imposturas jornalísticas

Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de livraria (Borges)
Olá aos que navegam neste mar,

Este breve (quase fugidio) post é só para socializar texto recém-publicado na Revista Em Questão, da UFRGS. Leiam, passem a vista, repassem, ignorem... Só não deixem de comentar!

O repórter e o jornalista cordial : Sobre posturas e (im)posturas no jornalismo

Adriana Santana

Resumo
Tomando a apuração jornalística como ponto-chave de análise, este artigo tem como propósito a delimitação e descrição do espaço que a investigação, a pesquisa, o apuro com a informação, ocupam no modus operandi jornalístico contemporâneo. De modo a visualizar o papel que o processo de investigação atua no ‘produto final’ do fazer jornalístico, optou-se como método a elaboração uma matriz de critérios que dimensionem a presença de elementos de apuração jornalística em textos noticiosos. Essa proposta analítica foi aplicada na avaliação de matérias efetivamente publicadas, trazendo como conclusões uma primeira tentativa de se identificar como os critérios de apuração são utilizados e, ainda, de que modo o uso ou descarte de alguns desses elementos podem contribuir à qualidade informativa do texto jornalístico.

domingo, 20 de setembro de 2009

Extra-muros


Bons ventos que trazem as boas novas.

Aprovado pela UFPE nosso projeto de extensão com o Diario de Pernambuco, com vistas a analisar e capacitar a iniciativa de jornalismo colaborativo do veículo. Alunos de graduação, mestrado e doutorado envolvidos na empreitada.

Mais detalhes neste link.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Na rua


Ver a pesquisa saindo da gaveta, caminhando a passos largos pela rua, numa quase-independência, sendo vista, analisada e discutida por outras pessoas fora do circuito acadêmico; era tudo isso o que me faltava, e é o que acaba de começar a acontecer com a minha tese.

Iniciei, de fato, o trabalho de campo, e aparte a falta de jeito e incômodos iniciais (quem ainda acha que trabalho etnográfico é só olhar os outros com imperceptível cara de paisagem, perdão, mas caiu do cavalo em disparada), está sendo uma lufada de brisa marinha nos meus escritos.

A minha observação das rotinas de apuração num jornal irá durar nove meses. Sim, um novo parto. Mas já sei, de antemão, que essas 'contrações' me trarão a tão visada (por mim) desburocratização do texto acadêmico e a aproximação, com a bênção de João do Rio, à "alma encantadora das ruas".
(dica bibliográfica e meu atual livro de cabeceira: BEAUD, Stéphane;WEBER, Florence. Guia para a Pesquisa de Campo: produzir e analisar dados etnográficos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007)

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Caminhando (e nadando)

Seguindo o mantra de Dori, a peixe louquinha e fofa de Procurando Nemo: "continue a nadar, continue a nadar"


Salvem, marinheiros da nau. Os posts são poucos porque muitas as atividades. Para me redimir, neste link, em formato pdf, vocês poderão acompanhar artigo que escrevi sobre o jornalismo em blogs, tendo como pano de fundo a experiência do PEbodycount. O texto foi publicado na última edição da Revista Cultura Midiática, editada pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba.

Em relação à tese, dei início ao trabalho de campo (que se encontra temporariamente em suspenso, pois ainda não encontrei uma 'fórmula' ou formato ideal ao trabalho de etnografia que proponho para acompanhar as rotinas de produção nas redações). A partir do dia 20, devo ter novidades.

O mês de julho é para escrever e levantar material, o que tenho feito aliado à necessidade de entreter minhas pequenas com atividades neste mês de férias escolares, além de dar aulas em módulos de pós-graduações.

Também estamos iniciando um projeto de extensão universitária, uma iniciativa do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade. Em breve, boas novas. E nessa caminhada vai-se fazendo o meu caminho. Um dia chego ao destino. Enquanto isso, continuo a nadar.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

borgeanas




Alquebrada após um final-de-semana de muito trabalho, me deparo com este texto delicioso (abaixo) de Roberto Pompeu de Toledo. E não é que a vida pode ser mesmo bela, pombas?

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Roberto Pompeu de Toledo Palavras no muro

"Prepare-se o leitor para o sublime encontro entre
um autor anônimo, possivelmente sujo, talvez faminto
e desocupado, e um dos luminares da literatura"

O amor é importante, pombas. No original, não é "pombas". É um palavrão, que também começa com "po". A frase, desenhada com as letras angulosas e sem curvas dos grafiteiros, nas últimas semanas tomou conta de muros, paredes e beiradas de viadutos de São Paulo. Enfim, um grafiteiro inteligente. Ou poético, ou pungente, dependendo do estado de espírito de quem o lê. "O amor é importante, po", de autoria desconhecida, eleva o grafite paulistano da habitual indigência ao nível dos clássicos do ramo produzidos no maio de 1968 francês – "A imaginação no poder", "Seja realista: exija o impossível", "É proibido proibir".

O segredo da frase é a palavrinha que começa com "po" aposta à oração principal. É o que faz que um pensamento banal adquira vísceras e atinja o leitor. "O amor é importante", sozinho, seria uma bobagem. Ocorre que o grafiteiro queria dizer exatamente isso, que o amor é importante. Encontrou um jeito de driblar o lugar-comum ao socorrer-se do palavrão. O palavrão contrapõe-se à pieguice do desabafo sentimental e o redime. A violência do expletivo chulo compensa a moleza do pensamento central. Produz-se o inesperado. E o rabisco na rua alcança o patamar da beleza literária.

Esse mesmo fenômeno de uma expressão secundária, na frase, sobrepor-se ao principal e salvá-la encontra-se em… (em quê? em quem? …prepare-se o leitor para saltar dos clandestinos assaltos aos muros de São Paulo para os textos antológicos da literatura universal) …em Jorge Luis Borges. Não que se queira comparar o desconhecido grafiteiro com o criador do Aleph (ou melhor: é o que se quer, sim; prepare-se o leitor para o sublime encontro entre um autor anônimo, possivelmente sujo, talvez faminto, quase certamente desocupado, cuja diversão é vagar pelas ruas da cidade nas horas vazias da noite, e um dos luminares da literatura do século XX). O recurso empregado em "O amor é importante, po" é o mesmo de dois versos do poema La Luna, de Borges:

"Según se sabe, esta mudable vida

Puede, entre tantas cosas, ser muy bella".

A ideia central, a de que a vida pode ser bela, é simplória como a de que o amor é importante. A maravilha dos versos se deve ao "segundo se sabe" com que se abrem e ao "entre tantas coisas" que precede a qualificação da vida. Eis, de novo, a mágica de componentes secundários da frase – dois, neste caso – tomarem o lugar do principal e o modificarem a ponto de conferir-lhe estatuto de obra de arte. O "segundo se sabe" prepara o espírito para algo já muito repisado, e com isso ameniza a banalidade do que virá a seguir, mas não está aí seu efeito principal. Mais relevante é que se trata de uma expressão marcadamente prosaica, frequente em peças de argumentação, aquelas em que se procura defender um ponto, como um editorial de jornal, uma tese acadêmica ou um arrazoado de advogado. Encontrá-la num poema, a escorar um luminoso momento de encantamento com a vida, produz um contraste da mesma família do palavrão sacado pelo grafiteiro para sublinhar o recado de que o amor é importante.

O "entre tantas coisas" abre ao infinito o leque de feições que pode assumir a vida. Nenhuma surpresa. A vida pode ser bela, mas pode ser muitas outras coisas, feia inclusive. "Vida", como mulher fácil, pode ir com qualquer adjetivo. Mas aí que está. Se a vida pode ser também feia, trágica, cruel, frustrante e dura, além de agradável, surpreendente ou reconfortante, quando nos damos conta de que, "entre tantas coisas", ela pode também ser bela, aí sim é que se torna mais bela ainda. Se Borges tivesse apenas escrito que a vida pode ser bela, que decepção, para um escritor de sua estatura. Seria como se o grafiteiro afirmasse que o amor é importante, e ponto final. Ao escrever que a vida "puede, entre tantas cosas, ser muy bella", ele a torna extraordinariamente bela, ofuscantemente bela.

Se a frase do grafiteiro é digna de Borges, como aqui se procurou demonstrar, a recíproca é verdadeira. Borges é também digno do grafiteiro. Não. Não dá para imaginar o argentino, spray na mão, a esgueirar-se na noite, em busca do muro mais imaculado para aplicar sua marca, isso não. Mesmo porque enxergava mal e podia acidentar-se. Mas dá para imaginar o "Según se sabe, esta mudable vida…" aplicado a um muro, uma parede, uma beirada de viaduto. O efeito seria o mesmo do "O amor é importante, po". O de uma pausa, uma surpresa e um renovador respiro, em meio à selva da cidade.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Para loucos


Turma do I Curso de Extensão em Jornalismo Investigativo


"Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade. Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte." (GGMárquez)

sexta-feira, 1 de maio de 2009

I Curso de Extensão em Jornalismo Investigativo: Teoria e Prática


Data: 18 a 29 de maio de 2009(segundas às sextas)
Local:
Auditório do Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGCOM/UFPE)
Horário:
18h30 às 21h
Investimento:
R$ 250,00
Inscrições e informações:
cursojornalismoinvestigativo@gmail.com e pelos fones 81 8894.6029 e 3269.6029
Apoio:
PPGCOM/UFPE e PEbodycount (www.pebodycount.com.br)

O curso será ministrado por:

Adriana Santana
Jornalista, Mestre e Doutoranda em Comunicação pela UFPE. Integra o Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade, com tese sobre o rigor do método de apuração jornalística. Com o conceito de 'jornalismo cordial', analisa a falta de investigação no jornalismo contemporâneo.

Eduardo Machado
Jornalista (UFPE), repórter especial do Jornal do Commercio. Vencedor dos prêmios de jornalismo Esso, Embratel, Vladmir Herzog e Cristina Tavares com reportagens sobre Direitos Humanos e Segurança Pública.

Objetivos
Dotar os participantes de noções aprofundadas das técnicas de apuração no jornalismo contemporâneo, aliando o conhecimento teórico acadêmico à prática profissional cotidiana. Produzir, como produto final, uma reportagem coletiva.

Ementa
Identificar origens da investigação na atividade jornalística;
Estabelecer parâmetros do que é e como se dá a apuração;
Discutir acerca da relevância da pesquisa/apuração no processo jornalístico;
Apresentar técnicas de gestão de informações eletrônicas e uso de bancos de dados para o desenvolvimento de reportagens;
Analisar matérias jornalísticas sob o viés da investigação;
Aplicar técnicas de apuração para a construção de textos jornalísticos

Os participantes receberão certificado emitido pelo PPGCOM/UFPE

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Jornalismo de gatos e lebres

Alice, a lebre, o gato e o Chapeleiro

(texto originalmente publicado no Suplemento Cultural Pernambuco, edição de abril de 2009)

Tenho medo, muito medo mesmo, dos puristas. Mas antes um puritanismo às claras do que a cultura do deus-dará disfarçada de avant garde. O campo minado do jornalismo é terreno fertilíssimo para a defesa da anarquia e frouxidão da ética disfarçadas de mudernidade.

Quem insiste num mínimo de rigor de método e respeito a regras simples no jornalismo pode ser facilmente taxado de démodé nos dias contemporâneos, acusado de ir contra a maré da democratização do pólo emissor, de querer refrear a onda libertária da comunicação de todos para todos ou de viver numa era que já passou.

Eu sou a favor de tudo isso: democratizar o acesso, proporcionar que outras fontes e outras vozes não só apareçam na imprensa, como também produzam conteúdo, de se fazer um jornalismo sobre o comum das gentes, calcado não apenas em efemérides e em fatos ‘obrigatórios’. Mas nem por essas razões eu me permito aderir à hibridização do jornalismo com a publicidade, por exemplo.

E que não me venham com a já enfadonha e indigesta discussão do “não existe objetividade e imparcialidade possível” na atividade jornalística. E não existe mesmo, naturalmente, mas Walter Lippman já cutucava os possíveis detratores dos jornalistas, na década de ’20 do século passado, lembrando que o método de investigação jornalística é que precisa ser objetivo, não os jornalistas.

Mesmo descontando o tom, por vezes, catastrófico (do qual comungo), o pesquisador em Comunicação Leandro Marshall cunhou o termo “jornalismo transgênico” para descrever o que seria essa forma ‘híbrida’ entre os gêneros jornalístico e publicitário. Essa hibridização responderia pelo fato de um gênero com finalidade publicitária (release ou texto produzido por uma assessoria de imprensa para divulgar temas de interesse de um cliente) trazer o formato de um gênero de domínio jornalístico (matéria, reportagem, texto jornalístico). Esse filhote intergêneros pode ser visto facilmente, quase que todos os dias, em veículos de comunicação mundo afora.

Um exemplo são os famigerados encartes, sem diferenciação tipográfica ou mesmo de estilo editorial, publicações pagas por instituições públicas e privadas, geralmente um resumo – em forma de reportagens – do que tal empresa realizou num determinado período de tempo.

Prefeituras e estatais são campeãs desse tipo de ‘serviço jornalístico’, que, não custa ressaltar, muitas vezes não vem identificado como material de cunho publicitário, e não poucas vezes é escrito, fotografado e editado pelos mesmos profissionais que fazem parte do corpo de jornalistas contratados desse veículo. Ou seja, os jornalistas que escrevem esses textos ‘encomendados’ são os mesmos que trabalham para levar ao público informações conseguidas através do trabalho diário de apuração.

É claro que são os anúncios que fazem o jornalismo andar e existir, e a relação entre essas duas esferas, apesar de tantos aspectos diferentes em relação à forma, conteúdo e até objetivos, possuem vários pontos de convergência. A passagem do jornalismo com função propagandista para a informativa, por exemplo, só foi possível após a desvinculação econômica dos jornais dos financiamentos políticos, ainda no século 19, como ressalta o teórico português Nélson Traquina.

Só com as receitas publicitárias, ou na transformação do jornalismo em negócio e não mais apenas instrumento de disseminação ideológico-partidária, é que os veículos adquiriram mais independência. No Brasil, o primeiro jornal diário a circular, o Diário do Rio de Janeiro, fundado em 1821, inaugurou o periodismo de anúncios e informações no País. Publicava preços de produtos, anúncios de compra e venda, informes de propaganda e particulares e, assim, apresentava um panorama do dia-a-dia dos 160 mil habitantes da cidade de então.

O nó da questão reside no propósito, no compromisso maior – ao menos em teoria – desses dois lados da moeda. Natural que o jornal ou a revista não irá publicar, com raras exceções, notícias que sejam prejudiciais aos proprietários, aliados políticos e parceiros comerciais. Mas o compromisso final, aquele que deveria nortear as suas ações, continua sendo o interesse público. Ao passo em que o fim e o meio do campo publicitário e comercial é o cliente.

O jornalismo desenvolvido via acordos comerciais, apesar de se valer de algumas técnicas e preocupações inerentes à atividade jornalística, aproxima-se sobremaneira do terreno publicitário. O que não seria nenhum pecado capital caso ficasse claro, ao leitor, de onde e por quem se fala. Dar nome aos bois já seria uma tremenda atitude de lealdade e respeito para com o cidadão que pensa estar comprando uma lebre de informação, mas que no final das contas acaba levando mesmo é gato disfarçado.

terça-feira, 24 de março de 2009

Santo de casa


Assistindo a uma interessantíssima palestra, ontem, de um professor da Universidade de Provença (sul da França), a respeito de suas pesquisas sobre representações sociais, não pude conter a surpresa quando percebi que o corpus utilizado pelo pesquisador era em boa parte formado por material publicado na imprensa francesa.

Aí converso cá com os meus botões. Se outras áreas do conhecimento - nesse caso, psicologia social - transitam confortavelmente pela seara jornalística, onde reside mesmo o problema da área de comunicação, que tem resistido cada vez mais (ao menos neste Brasil varonil) a se debruçar sobre seus próprios objetos? Por que a comunicação na Academia resiste tanto em aguçar o olhar por sobre o jornalismo?

Mero preconceito? Ranço? Tentativa de fugir de um possível lugar-comum? Vontade, frustrada, de imprimir uma cientificidade além da normal, fugindo do próprio quintal (objetos e ferramentas comunicacionais) para avançar no quintal do vizinho (objetos outras e ferramentas, idem, caras a outras áreas do conhecimento)?

Ao final das contas, camaradas, acho que o problema reside mesmo num embate tão antigo quanto as paixões humanas. Aquele que fundamenta a máxima de que santo de casa quase nunca faz milagres.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Janelas


Chego à centésima postagem neste blog para comentar um artigo recém-finalizado, sobre os rearranjos feitos pelos jornalistas num momento em que há uma profusão de 'não-profissionais' (na falta de melhor termo) produzindo e compartilhando conteúdo informativo.

Particularmente, defendo a participação cada vez maior dos usuários na construção noticiosa, por razões óbvias: maior democratização na produção de conteúdo, mais vozes para compor as narrativas, bem como a aceleração do acesso a informações, uma vez que podem disponibilizar dados no momento exato em que os fatos estão acontecendo.

Mas também defendo que esta participação dos cidadãos seja acompanhada da presença do repórter, quer seja para contextualizar o fato, trazer novos olhares, complementar e checar as informações.

Ainda que fotos, textos e vídeos possam chegar com facilidade às redações, como já chegam e continuarão a chegar cada vez em maior quantidade e de maneira mais rápida, acho que é difícil não reconhecer que o repórter que não se limita à redação e ao ciberespaço na apuração, e dá pelo menos uma espiada saudável pela janela, sempre vai fazer uma diferença pra lá de significativa.

Meu recado é esse: olhemos mais pela janela. Literal e metaforicamente falando.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Notícia sobre duas rodas

Ellen e Felipe giraram os pedais para fazer jornalismo dos bons


É com tristeza que recebo a notícia do fim do projeto Repórteres de Bicicleta, tema de um post de março do ano passado. E com alegria que descubro o motivo: os repórteres sobre duas rodas acabaram de se formar e, nas palavras do jornalista-ciclista Felipe Luchete, "por isso agora cada um vai pedalar para um lado (dispostos a não entrar no mercado de trabalho como jornalistas cordiais)".

A dupla aí da foto percorria a mineira Viçosa, a bordo de suas fiéis escudeiras de duas rodas - por supuesto -, em busca de histórias para contar, de pessoas que, certamente, passariam despercebidas pelo ritmo alucinado e desviante do nosso modus operandi tradicional.

Esses meninos fizeram diferença. E, certamente, continuarão pedalando - mesmo metaforicamente - por esse mundão todo que se descortina por aí. Sorte e parabéns pelo ímpeto, coragem e ousadia em olhar para fora da janela.

Abaixo, segue o 'comunicado oficial' sobre o fim do projeto:

Repórteres de Bicicleta publicam sua última edição

Desde abril de 2007, Ellen Araujo e Felipe Luchete pedalam por bairros da cidade mineira de Viçosa, situada a 225 quilômetros de Belo Horizonte, à procura de notícias e de histórias. Os Repórteres de Bicicleta publicam suas apurações na forma de textos, vídeos e imagens, no blog
http://www.reporteresdebicicleta.blogger.com.br/.

Na próxima sexta, dia 06, irá ao ar a última edição: um vídeo com a entrega de fotos a alguns personagens retratados no ano de 2008. Dividido em duas partes, o vídeo vai mostrar as pedaladas pelos bairros de Cristais, Lourdes, Inácio Martins e Barrinha, além de algumas imagens de edições anteriores.

O motivo que os faz parar de percorrer a cidade em busca de “notícias populares” é a formatura dos dois repórteres. No último dia 23 de janeiro, Ellen e Felipe formaram-se jornalistas pela Universidade Federal de Viçosa. Agora, com o diploma nas mãos, vão retornar às suas respectivas cidades natais (Ellen é de Volta Redonda/RJ e Felipe de Jundiaí/SP) para que de lá possam dar continuidade à vida profissional que começaram a traçar girando os pedais de suas bicicletas.

E como giraram aqueles pedais. Desde o início do projeto, os dois percorreram mais de 20 localidades diferentes de Viçosa e transformaram o que viram e sentiram em mais de 60 textos, 115 fotos e 30 vídeos. As pedaladas, quase todas aos domingos pela manhã, os levaram longe.

Em maio de 2008, os repórteres foram a São Paulo apresentar o trabalho no XIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, o Intercom. Em setembro do ano anterior, foram reconhecidos pela mídia local e nacional depois que o blog foi recomendado pelo jornalista Ricardo Noblat – um dos blogueiros mais importantes do país.

Em quase dois anos buscando realizar um jornalismo cultural e digital de forma experimentada e diferente, Ellen e Felipe despedem-se da cidade e do blog com gratidão e saudade. Não mais atualizarão a página da internet (que vai continuar no ar, apesar disso), mas levarão consigo todo o aprendizado que adquiriram pedalando e narrando as histórias dos encantadores mineiros de Viçosa.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Cabeça de turco


Não há título mais horrendo em toda a história das traduções do que o escolhido para o livro-reportagem do jornalista alemão Günter Wallraff, publicado pela primeira vez em 1985. A aberração fica por aí. Já conhecia toda a saga desta figura, mas, inexplicavalmente, nunca havia lido seus textos.

'Engoli' o livro acima de uma só tacada, esta semana. Mesmo levando em consideração o método questionável utilizado pelo autor - travestiu-se de alguém que não era, mentiu, provocou situações e coisa e tal -, ele consegue descer aos porões, ao nível mais baixo da sociedade alemã da década de '80 (Ganz unten, título original, significa literalmente "bem embaixo", na parte mais baixa, no fundo do poço).

Disfarçado por dois anos como um turco, ele, alemão de nascença, sentiu na pele todos os dissabores em estar 'do outro lado', bem como a solidariedade que sempre acaba surgindo entre os que se encontram deslocados e apontados como estranhos no mundo.

A reportagem é um relato contundente, duro, por vezes até cômico (na medida do possível) da tamanha irracionalidade que se transforma em brutal violência contra quem é 'diferente' - outra língua, outro sotaque, outra cor ou costume.

Confesso que minhas experiências iniciais com a Alemanha sempre haviam sido cor-de-rosa. Provavelmente por viver lá não como uma estrangeira apenas, mas como uma estrangeira dentro de um núcleo familiar alemão, nunca havia passado por nenhum constrangimento. Muito pelo contrário.

Minha última visita ao país, contudo, me foi extremamente dolorosa. N'outra região, não mais no norte que me havia sido tão amistoso, mas no extremo sul, senti na pele o que a intolerância, a burrice e irracionalidade podem provocar. Eu, que sempre teci loas àquele lugar, fiquei decidida a não voltar. Em pleno 2008, ouvi de uma imigrante brasileira (!): "vamos atravessar a rua, pois esse pessoal é turco, e você sabe, deve ser tudo terrorista". Entre os "terroristas", havia várias crianças.

Voltando ao livro...O autor se transforma em Ali, um imigrante ilegal que se submete a toda sorte de trabalhos para sobreviver, sofrendo humilhações espantosas, tal qual boa parte dos imigrantes. Quando morei por lá, conheci e me tornei amiga de um Ali. Iraniano, gráfico profissional, havia recebido asilo político em 1999. Sofrendo ameaças e perseguições na sua terra tão adorada, só lhe restava fugir para outro país.

Nos tornamos colegas de um curso de alemão para estrangeiros, e passamos - após o choque inicial e inevitável de culturas, com todas as negações e comparações naturais nesses processos - a ser grandes amigos. Ali era doce, seguia os preceitos da religião muçulmana, aceitava qualquer emprego que aparecesse. Tímido, sempre andava olhando para o chão. O último 'emprego' de que me lembro foi como distribuidor de panfletos na rua. Logo ele, acostumado a imprimir livros em sua loja própria. Seu melhor amigo era Masud, matemático iraniano que sonhava em ter seu diploma validado para poder voltar a ensinar numa universidade alemã.

Essa dupla tão amável sofria toda a sorte de preconceitos. Não apenas dos alemães, mas principalmente entre nosostros, latinos. Zombavam de seus hábitos pudicos, de suas roupas puídas, das dificuldades em aprender o idioma. Inteligentíssimos, penaram para se acostumar ao alfabeto ocidental, mas quando conseguiram se mostraram exímios conhecedores da obscena (de tão difícil) gramática alemã.

Quando estava prestes a voltar para casa, fiz uma despedida para a qual foram todos os meus amigos do curso. Ali era o mais emocionado. Ao término da festa, reclamou da pimenta que eu havia dado de presente a ele ("muito fraca, Frau Santana, no Irã é bem melhor") e da fita que eu havia gravado para ele ("a música é muito lenta, não dá para dançar"). Deu-me um abraço forte, e me disse, entre lágrimas, num perfeito alemão, já quase sem sotaque: "Du wirst mir fehlen" (Você vai me fazer falta).

Nós, que no começo havíamos discutido tanto sobre o tratamento dado pelos muçulmanos às mulheres, que quase havíamos deixado de nos falar por ele achar que era um absurdo eu morar com o meu então namorado ("você precisa se casar, Adriana"), nos despedimos com a dor aguda com a qual se despedem os grandes amigos. E para nunca mais.

Não pude deixar de pensar em Ali ao ler sobre todas as atrocidades cometidas contra os imigrantes. Ele me acompanhou em todas as páginas. Vi seu rosto marcado pela saudade de casa em todas as fotografias publicadas na obra. Reconheci seu esforço em se integrar àquele mundo tão diverso do seu em todos os relatos.

Não sei se pelo fato de a temática me ser cara, ou se impulsionada pelas lembranças de Ali, mas fiquei encantada com o trabalho de Wallraff. Minha próxima aquisição será a obra anterior, na qual ele disseca a redação do sensacionalista Bild Zeitung. E recomendarei a todos os meus alunos como um dos grandes exemplos de como fugir da cordialidade jornalística.

Em tempo: de todos os meus colegas da época, entre os quais uma grande amiga colombiana, jornalista como eu, a único carta que chegou para mim depois que voltei ao Brasil foi escrita num alemão quase perfeito, com letra cursiva (uma vitória para quem conhecia apenas o alfabeto árabe), cheia de delicadezas e saudades, pelo meu amigo Ali.

Perdemos o contato, mas sempre me lembro dele toda vez que me deparo com a estúpida insistência humana em condenar o que não é espelho.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

João do Rio

Numa dessas coincidências inexplicáveis, ou sicronicidades junguianas, como queiram, estava eu a me lembrar de que precisava ler mais João do Rio quando esbarro, no mesmo instante, com o seu Alma Encantadora das Ruas (aqui em pdf) numa estante da Livraria Cultura, numa edição bem em conta.

Hoje não vou me alongar, mas queria destacar um pensamento desse nosso 'patrono' dos repórteres e cronistas. Falando sobre as características necessárias para se entender a 'psicologia' das ruas, coisa que ele, Paulo Barreto (seu nome verdadeiro), fazia com maestria de gênio, conta o que cabe, para mim, como a melhor definição de repórter já feita. Mesmo que, em princípio, ele se referisse à qualidade de observador do dia-a-dia do comum das gentes, sendo jornalista ou não. Ei-la:

"É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que chamamos flâneuer e praticar o mais interessante dos esportes - a arte de flanar. É fatigante o exercício? (...) Flanar! Aí está um verbo universal sem entrada nos dicionários, que não pertence a nenhuma língua! Que significa flanar? Flanar é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem."

Flanemos, pois, colegas. Flanemos!

(em tempo, a obra desse genial flâneur pode ser acessada, gratuitamente, através da biblioteca digital Domínio Público, no link http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do?select_action=&co_autor=53)