quarta-feira, 28 de maio de 2008

Febre de juventude


Hoje tive a grata oportunidade de coordenar um grupo de oito estudantes do 3º período de Jornalismo da UFPE (as figurinhas aí da foto) na cobertura, em tempo real, do I Seminário de Jornalismo Contemporâneo. Foi a primeira vez que eles participaram de uma experiência do gênero, e eu não poderia ficar mais feliz. Não só pelo resultado, que foi excelente, mas principalmente pelo comprometimento, responsabilidade, minúcia e zelo com a informação - e pela qualidade no trato dessa informação - demonstrada por esses meninos e meninas.

Sei que estou 'lambendo a cria', mas não poderia ser diferente. Quantas vezes contive o entusiasmo e o elogio para não parecer demasiado condescendente e pouco criteriosa? Pois chega de comedimentos. Parabéns à vontade de aprender, de fazer e refazer, e de experimentar o jornalismo. Que essa febre de juventude os acompanhe ao longo de todo o percurso.

E obrigada a André Simões, Bárbara Siebra, Glaucylayde Silva, Guilherme Carréra, Gustavo Maia, Luísa Ferreira, Rafaella Correia e Sofia Costa Rêgo (na edição) pela injeção de entusiasmo e pelo exemplo de jornalismo não-cordial.

terça-feira, 20 de maio de 2008

A opção da dúvida


O repórter chega à redação. Não há tempo para ler os jornais. Senta-se ao computador, checa e-mails, acessa o Google. Agora é só apertar a tecla ENTER que a notícia chegará a ele. Da caixa de e-mails, dezenas de press-releases desenharão o que será a pauta do dia. Pronto, agora é só reescrever os mais importantes e, bingo, está pronta a edição do dia seguinte.

Amanhã, a rotina se repete. Poderia ser comigo. Poderia ser com qualquer um que, abraçado ao jornalismo, vive no eterno embate entre a redação e a rua, entre a facilidade dos engenhos de busca e a aridez do confronto com o mundo lá fora. Sem falar do relógio, que não pára de correr.

A descrição dessa cena fictícia foi realizada com farta dose de exagero. Mas, descontadas as hipérboles narrativas, há vezes em que realidade e ficção podem se misturar e produzir, na vida real, rotinas tão burocráticas quanto a historieta contada no parágrafo de abertura.

O tempo, sempre implacável, é senhor e juiz do processo de formação da notícia. E foi para entender as razões, incluindo o ‘fator-relógio’, que pudessem explicar a mesmice dos temas abordados pelos jornais, os textos semelhantes, o uso abusivo de informações produzidas em assessorias de imprensa, que embarquei no mundo acadêmico, através de dissertação de mestrado batizada de CTRL+C CTRL+V: O Release nos Jornais Pernambucanos. Finalizada em 2005 no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, está sendo aprofundada e expandida com a minha pesquisa de Doutorado, Jornalismo Cordial.

O que me levou a pesquisar sobre o assunto tem origem, primordialmente, no fato de eu ter me reconhecido nos dois papéis – do assessor, que tem como principal compromisso mostrar o lado mais positivo de seu assessorado -, e do repórter, que se esquece do compromisso maior com o leitor ao oferecê-lo informações gestadas no interior de empresas, e que são repassadas com o menor teor crítico possível. Dessa forma, se há uma carapuça, ela certamente serviu também a mim. Procurei não usar, assim, a posição de pesquisadora como escudo contra minhas próprias constatações.

O foco da pesquisa inicial era chegar a caminhos que comprovassem se o uso de releases (matérias jornalísticas enviadas por assessorias de imprensa aos veículos de comunicação, com objetivo de divulgar fatos que envolvam as organizações assessoradas) nas redações era realmente prática corriqueira e realizada em excesso e, ainda, compreender o porquê desse ‘hábito’.

Ao longo da realização do trabalho, as hipóteses iniciais para o ‘copia e cola’ foram se apresentando – ritmo acelerado de trabalho, quadros funcionais reduzidos, busca e medo do ‘furo’ –, ao passo em que, isoladas, também não se configuravam como única explicação plausível para o que se tentava comprovar. Por que então os jornais têm feito tanto uso de informações oficiais como fonte única de informação? Confesso que, por dois anos, essa foi a cantilena dos meus dias e noites.

Os resultados que se apresentaram na catalogação dos releases enviados pela assessoria de imprensa da Universidade Federal de Pernambuco – estudo de caso que escolhi para a dissertação – serviram como exemplo de que se tem utilizado quantidade considerável de material de assessorias de comunicação nas redações, configurando-se como prova – ao menos em relação à amostragem pesquisada – de que as assessorias chegam a conduzir, em algumas edições, a produção jornalística brasileira.

No período de um mês, 66% de tudo o que foi publicado em jornais sobre a Universidade foram ‘provocados’ pelas estratégias de divulgação da assessoria. Mais ainda: 44,7% dos releases aproveitados foram veiculados com pouca ou mesmo nenhuma alteração, ou seja, a participação dos repórteres chegou a uma quase nulidade.

Diante do quadro que era apresentado, surgiu a suposição que uma espécie de conformismo estava se apoderando das redações e transformando o próprio modo de se fazer jornalismo. O dia-a-dia dos jornalistas e a dinâmica de trabalho estavam criando uma acomodação. Acomodação que leva o repórter a não contactar nem mesmo as fontes indicadas no release para confirmar as informações repassadas. Acomodação que instrui o profissional a não sair da redação para ir em busca de notícias, a ficar na dependência apenas de e-mails e, quando muito, telefonemas.

JORNALISTA CORDIAL - Numa tentativa de encontrar explicações para esse comportamento, a pesquisa tomou de empréstimo o conceito de ‘homem cordial’ de Sérgio Buarque de Holanda para descrever a persona do ‘jornalista cordial’ – uma categoria profissional que se caracteriza pelo não-cumprimento da função social de investigação e fiscalização, que opta por agradar a todos e evitar o conflito, esquivando-se de ir à busca das notícias onde elas realmente acontecem (na rua) e contentando-se em atuar como mero copiador de releases.

Seria muito simplista nomear ‘vilões e mocinhos’ na busca pelas causas do uso tão premente de informações oficiais como fonte única na imprensa. O repórter não poderá ser de imediato taxado de desleixado – pois que o profissional mal pago, com excesso de trabalho e prazos a cumprir, sem estímulo para capacitação profissional e, por isso mesmo, insatisfeito no trabalho, talvez não consiga se dedicar à qualidade das informações publicadas no seu jornal. Ao assessor, tampouco, deveria recair a ‘culpa’, uma vez que, salvo exceções, ele não terá o poder para decidir pelos editores e repórteres o que deverá ser a pauta do dia. Se as sugestões dos assessores viram notícia nos matutinos é porque assim o permitiram os jornalistas que trabalham nos veículos. O assessor, assim, só está fazendo – e competentemente – o seu trabalho.

É ao repórter que cabe a responsabilidade pelo texto que escreve e as informações que apura – ou deixa de apurar. A relação assessor versus jornalista ‘de batente’ nunca poderia ser apenas de parceria – o papel do segundo é checar, duvidar, investigar, escrever e melhorar o que escreveu. Se não, está fadado a transformar-se em mero copiador de releases.

Complexa e perigosa é a tentativa de vislumbrar soluções imediatas para o problema. Reformulações são necessárias, é certo, mas muito difíceis de serem implementadas a curto prazo, como mais tempo de apuração, investimento em capacitação profissional e (re)valorização da reportagem nos jornais. São medidas indispensáveis, mas que envolvem muito mais do que boa vontade dos profissionais.

O grande propósito do meu trabalho é que as considerações a que ele chegou - os jornais têm feito uma utilização excessiva de releases, de modo a depender deles para se pautar – sejam levadas ao conhecimento de quem faz parte desse ‘jogo’: repórteres, editores e assessores.
E, claro, há também o público. Único envolvido no imbróglio que ainda permanece desconhecendo a prática. Creditar a informação que vem das assessorias já seria um bom começo.

Ao leitor, portanto, que reste ao menos a opção da dúvida.

(Artigo originalmente publicado no Pernambuco - Suplemento Cultural do Diário Oficial do Estado e reproduzido no Blog de Jamildo)

segunda-feira, 12 de maio de 2008

o tempo e o vento


Caríssimos, estarei fora de órbita nesta semana. A vontade de escrever aqui é grande, mas o tempo está jogando contra e o vento, desfavorável. Volto com a próxima brisa. Até a sexta-feira.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

só por hoje...


...não vou falar sobre jornalismo. perdoem-me, mas é por uma razão nobre. nobilíssima. a maior de todas elas.

o desenho aí de cima é de autoria da minha primogênita. três anos de idade e atitude. ela me entregou hoje, na volta da escola, com um beijo estalado de acompanhamento.

uma das melhores coisas de ser mãe é poder vivenciar a nossa pieguice em toda a sua plenitude, sem precisar fazer qualquer concessão ao bom-senso. afinal, toda mãe porta uma credencial vip de acesso ao melodrama.

é a primeira vez que ela me retrata de uma forma identificável (ao menos no que se refere aos parcos recursos de imaginação dos adultos). e ao lado do sol, que ela adora e saúda logo quando abre os olhinhos ao mundo, pela manhã.

agora, permitam-me atingir o ápice da corujice: reparem como ela me desenhou maior do que o sol! tem presente melhor do que esse? faz valer cada uma das mais de 1095 noites que eu tenho passado sem dormir direito.

(só para não fugir ao tema: semana passada, 'flagrei'-a imitando uma apresentadora de telejornal. depois, me pediu que não desligasse a tevê, pois ela iria "assistir às notícias". será que a paixão desenfreada pelo jornalismo está no código genético?)

domingo, 4 de maio de 2008

Sobre a necessidade do espanto


Contador de homicídios no Recife: para se lembrar o que se insiste em esquecer

Sempre tive em mente que chegaríamos a um ponto sem volta, 'of no turning back' (como diriam os que fizeram cursinho de inglês), quando perdêssemos de vez a capacidade para o espanto, para a estupefação. E esse momento chegou há muito, nós poucos é que ainda insistimos em não admitir.

Confesso que por muito tempo vesti comodamente o manto da normalidade, que me permitia conseguir dormir à noite após assistir a tantos disparates, a ver tantos descaminhos. Hoje, não conseguiria levar adiante um terço das tantas matérias policiais que fiz nas minhas primeiras incursões no jornalismo, já se vai mais de uma década.

Quantas vezes não ensaiei um sorriso para desdenhar de colegas inocentemente estupefatos, que propunham pautas furadas, natimortas, a respeito da profusão de meninos de rua nos sinais de trânsito e de mendigos nas calçadas? Tolos, pensava eu, em acreditar que histórias como essas, tão comuns e batidas, suscitariam interesse nos leitores. Como eu imaginava, elas realmente sequer chegavam à mesa do editor.

Guardei todas as más lembranças numa caixa cerrada, numa área pouco visitada da minha cabeça. Não são poucas. Tampouco fáceis de digerir. Por muito tempo, consegui evitá-las. Agora, elas começaram a escapar do esconderijo. Vêm para me assombrar. E para me lembrar de que eu nunca deixei de me espantar, mesmo quando usava o não-espanto como estratégia profissional.

Uma delas voltou recentemente, apesar de eu acreditar tê-la descartado da memória na mesma tarde em que aconteceu. A 'personagem' (que jargão mais infeliz) de uma pauta, menininha vítima de uma estúpida, irracional e covarde violência sexual. Como poderia ousar acreditar haver realmente esquecido a sensação de soco no estômago que tive ao ler a placa pendurada na caminha do hospital? Era o meu nome ali escrito, com todas as letras, tal e qual na certidão.

Há um tempo, ouvi um depoimento de um jovem jornalista (já citei a situação neste post), visivelmente desapontado, que me reacendeu a estupefação. Para proteger uma fonte de uma muito provável e séria represália, ele havia combinado com o entrevistado de não mostrar seu rosto. Mesmo com essa orientação do repórter, a edição optou por desfazer o acordo. Ao reclamar, desesperado, com o responsável pelo absurdo, ouviu um cínico "bem-vindo ao jornalismo" como resposta.
Como me arrependo de ter, um dia, desdenhado dos estupefatos. Pois que a cordialidade jornalística anda de mãos dadas com a falta de espanto.

(Desde a última quarta-feira - 30 de abril -, o Recife conta um contador de homicídios instalado numa movimentada avenida. Iniciativa dos editores do PEbodycount. Um grupo de jornalistas que nunca deixou de se espantar. Houve quem os acusasse de traidores, por "contribuir para a fuga de turistas". Tomara, de coração, que também esses venham a se juntar ao coro dos estupefatos, num futuro próximo).