sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Os outros são os outros

O amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o que faz sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece. (por Charles Bukowski).

Não consegui confirmar, em fonte minimamente fidedigna, a autoria desse excerto como sendo do 'velho safado' do Bukowski mesmo. Quem souber, me avise, por favor.

A menção ao preconceito no texto atribuído ao escritor é a deixa para comentar meu mais recente artigo. Numa análise de representação midiática do nordestino no Sudeste brasileiro e do estrangeiro na Alemanha, identifiquei na amostra recolhida em matérias de quatro jornais impressos (dois do Brasil e dois germânicos) o reflexo do velho e indefectível senso comum: a maior parte dos textos retrata o migrante e o imigrante sob a ótica da pobreza, falta de recursos e da sub-empregabilidade.

Não que esses dois grupamentos não estejam inseridos nesse contexto, pois muitas vezes estão, mas é que ainda são raras as aparições desses personagens em matérias que não estejam, necessariamente, fazendo referência a essa condição de, por assim dizer, subalternidade.

Engraçado que uma das matérias analisadas retratava um nordestino não migrante, empresário, na seção de Economia, a respeito do sucesso da empresa tocada por ele. Me animei com a possibilidade de fuga do lugar-comum, mas o cidadão, apesar de ter a característica do empreendedorismo destacada, é retratado como uma figura caricata, supersticiosa, conservadora e pouco ortodoxa no que diz respeito à administração do negócio.

Num texto pinçado de um jornal alemão, uma imigrante da Tunísia é descrita como fruto da saudável mistura entre as duas nacionalidades: "ela encontrou o seu caminho tirando o melhor das duas culturas: sinceridade, pontualidade, retidão e senso de justiça dos alemães; amabilidade, carinho, sociabilidade e generosidade dos tunisianos".

Êta mundo de Deus sem porteira, eternamente preso à malandragem de um 'bom' e velho estereótipo para simplificar a complexidade das gentes. Pára, motorista, que eu quero descer enquanto é tempo.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Enunciação nas mídias


O Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPE realiza, em 30 de outubro, o Seminário Enunciação nas Mídias, no Centro de Artes e Comunicação (mini-auditório 2).

O evento terá como palestrantes os professores José Luiz Fiorin, da USP, e Antônio Fausto Neto, da Unisinos. Virgínia Leal, do Programa de Pós-Graduação em Letras e diretora do Centro de Artes, e Alfredo Vizeu, do PPGCOM e coordenador do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade, atuarão como debatedores.

As inscrições são gratuitas e já podem ser feitas pelo e-mail ppgcomufpe@yahoo.com.br
Para isso, basta colocar o título do seminário em “Assunto” e informar o nome completo, e-mail e telefone no corpo da mensagem.

Confira a programação:

Seminário Enunciação nas Mídias
Dia 30/10/2008

09:00 – 09:30 – Abertura

09:30 – 12:30 – Conferência 1. As categorias da enunciação nas mídia. Conferencista: José Luiz Fiorin (USP:FFLCH). Coordenador: Yvana Fechine (UFPE:PPGCOM). Debatedor(a): Virgínia Leal

12:30 – 14:30 – Almoço

14:30 – 17:30 – Conferência 2. Midiatização e os ‘novos regimes’ da enunciação midiática. Conferencista: Antonio Fausto Neto (Unisinos). Coordenadora: Cristina Teixeira UFPE:PPGCOM). Debatedor: Alfredo Vizeu (UFPE:PPGCOM)

terça-feira, 14 de outubro de 2008

meu nariz empinado à ética


Narizinho - Ilustração de Manoel Victor Filho


A ética do jornalista é a mesma ética do carpinteiro, parafraseando a genial sacada de Cláudio Abramo. E embalada nesta cantiga eu escanteei um estudo mais aprofundado sobre a questão por muito tempo.

Mesmo concordando integralmente com essa visão, esqueci-me de abrir os olhos para o fato de que comungar da idéia de que só existe uma única instância de ética, válida para todas as profissões e papéis no mundo, não exclui a necessidade de se debruçar sobre o tema, especialmente quando a 'espinha dorsal' da minha pesquisa, o fio condutor do meu estudo está fincado na ética. Que poderia ser apenas a do carpinteiro, mas é também a do profissional da notícia.

Também tive muitas reservas a uma análise deontológica do jornalismo, não porque não a considerasse relevante, mas por uma preconceituosa resistência, medo mesmo, de resvalar para o moralismo, a normatização e controle.

Inicei na semana passada a leitura de Ética, de Adolfo Sáchez Vázquez, e quase desisto ainda no prólogo quando percebi que o viés adotado pelo autor seria o de analisar a ética através da moral. Conceito controverso, primo-irmão do puritanismo, vou cair fora, assim oebsei. Mas não dei bola ao meu preconceito e segui. Não me arrependo. Até porque a moral, nesta obra, é encarada como fato histórico, como fruto de um tempo e, dessa maneira, objeto da análise ética.

Ele assume uma postura que não passa por moralismos dogmatizadores, por códigos de normas, tampouco se refugia num "neutralismo ético". Acho que era isso que eu fazia. Me refugiava com o manto da neutralidade, com o receio de parecer demasiado 'catequizadora'. Num excerto, o autor afirma que "o valor da ética como teoria está naquilo que explica, e não no fato de prescrever ou recomendar com vistas à ação em situações concretas".

Gostei de ter continuado a leitura. Aparte um exagerado otimismo no homem (do qual comungo) e de uma anacrônica certeza de que o socialismo ainda irá ser o redentor de todas as almas (da qual gostaria de ainda acreditar), é um livro que me colocou para pensar mais e com mais dedicação à ética. Àquela do carpinteiro ou qualquer outra que valha.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

"Marqueting"


Tenho me esquecido de socializar minha produção de artigos. Como sempre comento sobre as pesquisas que venho desenvolvendo, achei de 'bom tom' começar uma microssérie de textos sobre o jornalismo que tenho publicado em revistas científicas. Para não ficar cansativo, vou adotar a sistemática de postar apenas o resumo, acrescentando o link de acesso para quem se interessar em ler a íntegra do texto.

Espero fomentar os comentários, críticas e sugestões de vocês sobre os temas.

Publicado na Revista Communicare, da Faculdade Casper Líbero, São Paulo, Volume 8, número 1, 2008

Resumo
O objetivo deste artigo é trazer à discussão uma modalidade de exercício jornalístico, que caminha na contramão das definições utilizadas nos meios acadêmico e profissional, para retratar a atividade jornalística tradicional: a acomodação nas redações e a ‘terceirização’ da apuração por intermédio das assessorias de imprensa, culminando com o surgimento da figura do ‘jornalista
cordial’. Com o aporte dos resultados alcançados após um mês de análise do comportamento de dois grandes jornais nordestinos em face do recebimento diário de releases de uma assessoria de comunicação, pôde-se traçar um paralelo entre o jornalismo considerado ‘ideal’ e aquele que é efetivamente realizado, no qual investigação, compromisso com os fatos e a própria ética
tendem a assumir, por vezes, um papel secundário.

Palavras-chave: jornalismo, Ética do Jornalismo, Assessoria de Imprensa.

Abstract
This article wishes to bring into the discussion a modality of journalism practice that takes the opposite route to the definitions used in the professional and academic areas to portray the traditional journalistic activity: the laziness in the news room and the outsourcing of enquiries through the press relation agencies, coming with the image of the “friendly reporter”. With the results of a month of analysis of the behaviour of two big newspapers from the Brazilian Northeast area compared with the daily press releases received from a PR agency, it was possible to make a parallel between what’s considered “ideal” journalism and what is
really done, where investigation, a compromise with the facts and even the ethics assume, from time to time, a secondary role.

Key words: Journalism, Journalism Ethics, Press Relation Agencies.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Emulsão Scott


Mesmo incorrendo no risco de parecer bem mais velha do que sou, preciso confessar, para o bom entendimento do porquê da escolha da Emulsão Scott como título, que em menina nunca precisei do reforço desse preparado para abrir o apetite. Ao contrário de vários amiguinhos de infância, eu fui e - desgraçadamente assim continuo - uma esganada por comida. Quem me conhece, sabe do que estou falando. Se permaneço dentro dos padrões 'normais' de IMC, devo tudo aos genes e aos céus.

Eu quis fazer menção ao danado do fortificante com óleo de fígado de bacalhau - grande injeção de ânimo, um convite ao apetite - como figura de linguagem para registrar um momento de enlevo, de pazes para com o jornalismo, o qual presenciei na tarde de hoje.

O diretor-adjunto de redação do Jornal do Commercio de Pernambuco, Laurindo Ferreira, conversou uma tarde inteira com alunos da graduação em jornalismo da UFPE, a convite de Vizeu, orientador da autora destas mal tecladas.

Sem medo de parecer macaca de auditório ou demasiadamente reverente, não poderia deixar de registrar como esse bate-papo atuou como injeção de ânimo, como uma verdadeira Emulsão Scott ao apetite jornalístico desses repórteres-vir-a-ser.

Em resumo, Laurindo traduziu em linguagem simples, direta e com muita densidade, o que nossos estudantes precisam - e esperam - ouvir: que é, sim, factível um projeto jornalístico decente e competente, mesmo em meio à série de constrangimentos, restrições e embates travados diariamente nas redações.

Prova de jornalismo 'perfeito', completamento isento, 'puro'? Claro que não. Mas da possibilidade de desenvolvimento de um jornalismo realizado em meio a negociações, a jogo de cintura, a sensibilidade, ao reconhecimento de que os conflitos e os confrontos fazem parte desse processo.
Dá pra publicar tudo? Naturalmente que não. Mas devemos nos antecipar de tal maneira às supostas decisões dos que mandam e desistir de pautas espinhosas antes de qualquer tentativa de discussão e negociação? Aí seria o berço da autocensura, uma crônica de uma morte anunciada.

O ex-diretor de redação d’O Estado de S. Paulo Sandro Vaia (nos anos de 2000 a 2006), para ilustrar como o signo do conservadorismo político e econômico era absorvido antecipada e preguiçosamente pelos jornalistas, conta (na edição de setembro de 2007 da piauí) que os funcionários pensavam como os donos sem quaisquer reações contrárias e, ainda, sem que fosse necessária a interferência da direção para que isso acontecesse – tamanha era a internalização dos valores: " Um editor executivo dizia, com ironia e propriedade, que um dos grandes problemas da redação do Estadão era 'o Mesquitinha que existe dentro da cabeça de cada um de nós' . Ele queria dizer que, pelo hábito de pensar com a cabeça dos patrões, a redação reprimia a ousadia e tendia para a autocensura."

Foi nesse ponto que Laurindo Ferreira trouxe à luz uma questão primordial à existência de qualquer ambiente de produção noticiosa: o conflito, as diferenças, como catalisadores ao 'arranque' do fazer jornalístico.
Lembrou do caráter primordial que deve mover 'corações e mentes' envolvidos na atividade: "o pensar repórter", nas palavras dele, a eterna predisposição em se pensar a notícia num exercício diário de perspectiva, de um molhar-se de realidade constante.

Eu poderia passar a madrugada escrevendo sobre a tarde de hoje, mas seria contraproducente - para os meus dedos de péssima digitadora e, principalmente, para vocês, minha meia dúzia de leitores pacientes.

Eu só não poderia deixar de fazer o registro de como encontros tão despretensiosos como esse podem valer um vidro inteiro de Emulsão Scott na veia. O da versão reloaded, é claro, que agora é rosada e com sabor morango, bem diferente do gosto tétrico de peixe podre e aspecto idem de outrora.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Nós e os outros

Aê, maninhos, será que dá pra me emprestar um pouquinho de melanina?


Sempre me intrigou a temática do 'outro'. O estrangeiro, o migrante, o imigrante, o que não 'pertence' originalmente ao lugar de onde se fala. Talvez por ter estado, muitas vezes, do 'lado de lá'. Já fui nordestina vivendo no Sudeste. Já fui latina morando na Europa. Talvez resida aí meu interesse.

Numa pesquisa que ando tocando para finalizar um artigo justamente sobre o tema (a representação midiática dos nordestinos no Brasil e dos estrangeiros na Alemanha), acabei me surpreendendo com um elemento-surpresa.

Meu objetivo era ter como corpus de análise apenas textos de jornais que tratassem desses personagens, de modo a identificar presenças, diferenças e recorrências no modo em que esses públicos têm sido retratados por parte da imprensa. O que não me passava pela cabeça era a riqueza de material que encontraria nos comentários dos usuários/leitores dessas matérias.

Confesso que venho me assustando com a permanência da intolerância. E também, que bom, com a lucidez de muitos leitores. Em especial, queria destacar uma matéria veiculada no Süddeutsche Zeitung, no dia 17 de setembro passado.

O texto traça o perfil e fala sobre como anda a vida de um jovem (21 anos) de origem turca, após ser atacado violentamente por um igualmente jovem alemão, em Munique, pela velha torpe e estúpida causa da intolerância racial. (o termo vem por pura falta de melhor definição, pois considero que raça, além de não significar patavinas, nem sequer existe mais formalmente. a respeito, artigo interessante de Dráuzio Varella, na FSP)

Bom, o fato é que o texto suscitou 41 comentários até agora. O interessante é que os usuários podem valorar as opiniões em boas e más. Há visões nos extremos. Dos neo nazi-fascistas disfarçados de patriotas pós-modernos aos neo-hippies libertários. Há votos aos dois grupos (tanto apoiando, como desancando).

Destaco apenas dois dos comentários (de forma bem resumida e editada, pois são bem grandes. peço desculpas antecipadas por eventuais deslizes de tradução):

*Gerhard:
Jeder Ausländer darf Deutsche beschimpfen wie ihm das passt, vom anmachen deutscher Frauen noch ganz zu schweigen. Sie werden dafür in keinster Weise zur Rechenschaft gezogen. (...) Beim Brand eines Wohnhauses mit Türken als Bewohner darf sich sogar eine Verunglimpfung des gesamten deutschen Volkes durch Türken erlaubt werden. (...) Der abgebildete Türkenjunge ist ja wohl kein Deutschter? Betreibe ich jetzt Volksverhetzung?
Qualquer estrangeiro pode xingar alemães como quiser, pode se insinuar para mulheres alemãs. Por isso eles não vão ser responsabilizados de maneira alguma. Agora, se uma residência com moradores turcos pegar fogo, eles podem até depreciar todo o povo alemão (...) Esse jovem turco retratado não é considerado alemão? (ele nasceu na Alemanha e possui o passaporte alemão, nota minha). Então estou demonstrando ódio racial?


**Alex:
bayerische justiz war schon immer so und wird auch so bleiben. dieser fall wird nichts ändern.
ausländer egal ob mit deutschem pass, werden härter bestraft als richtige deutsche, ist so
leider. aber was sollte sich auch nur nach 60 jahren ändern??

A justiça bávara sempre foi assim e assim continuará. Esse caso não vai mudar nada. Os estrangeiros, não importa se portadores ou não da cidadania alemã, sempre serão mais duramente punidos do que os alemães de verdade, infelizmente é assim. Mas o que é mudaria somente 60 anos depois?

Em tempo: dois usuários votaram no primeiro depoimento. O primeiro voto considerou o depoimento como bom. O segundo, como ruim. Eu fui a segunda votante. Já em relação à opinião acima, há um empate técnico entre valorações positivas e negativas.

Em tempo, ainda: as eleições do último domingo na Áustria deram maioria aos social-democratas (cerca de 29%), MAS os partidos de extrema direita avançaram consideravelmente, conquistando um total de 29% - sendo 18,01% para o Partido da Liberdade (aquele do penúltimo post) e 10,98% para a Aliança para o Futuro da Áustria. Fonte: O Globo.

Medo, muito medo. De verdade. Como diria a Alex do comentário lá em cima, o que é que mudaria "apenas" 60 anos depois?