segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

oxe, e acabou, foi?

"Chega dessa cordialidade descortês", proclama Mafalda

É com uma expressão tipicamente pernambucana que deixo o último post do ano - em se tratando de um blog que se iniciou em 19 de dezembro, é quase uma piada essa referência temporal -, trazendo uma tirada genial de Tom Wolfe.

Recuperando a idéia de zona de conforto dos repórteres adeptos ao jornalismo cordial, permito-me pinçar um trecho minúsculo de 'Radical Chique e Novo Jornalismo', a respeito de autores/escritores/jornalistas avessos à reportagem:

"(...) esse mesmo estranho defeito, a mesma relutância em tirar o caderninho e atravessar a linha de gentileza, entrando pelas portas marcadas Entrada Proibida".

Sendo assim, mes amis, só tenho a desejar a vocês e a mim votos de um jornalismo descortês, suado e de caderninho roto nas mãos. Em 2008, atravessemos a linha de gentileza, pois!


sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

para não dizer que não falo das flores


Salvem, simpatias. Como amanhã é sábado e eu terei direito a um pouco, quase nada, de mordomia, deixo com vocês um texto mui grande em se tratando de Web, mas que vai valer pelas postagens de todo o final de semana. Não é só questão de comodismo, não, senhores. As mal traçadas são fruto tardio de uma palestra a que assisti, em novembro, com Maxwell McCombs, e de um posterior longo bate-papo que travei com o cidadão no Recife.

Sem falar que tem absolutamente tudo, ou mais ainda, a ver com a minha pesquisa. Deleitem-se. Ou penem, a depender do efeito causado.

É só começar.
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Revolvendo o pântano

Receitas de um senhor do Alabama para tirar o Jornalismo do coma induzido

por Adriana Santana
(publicado originalmente no suplemento cultural Pernambuco, edição de dezembro de 2007)

Já se escuta, há um tempo considerável, a cantilena da morte do jornalismo e de seus congêneres – o jornalista, naturalmente, incluso no mórbido pacote. De acadêmicos a profissionais de batente, de literatos a bloggers, de estudantes de comunicação a leitores, o discurso é uníssono. O prenúncio da morte anunciada da profissão-atividade-disciplina-sacerdócio está quase alçado à categoria de mais novo passatempo intercontinental – vide os sítios e artigos, numa procura fugaz pela Web, intitulados O jornalismo morreu, Journalism is dead, El periodismo ha muerto, Der Journalismus is tot e assim sucessivamente, até dar a volta no globo.

Esse vaticínio de uma era pós-jornalística é fundamentado, na maior parte das tessituras argumentativas, pelo fim de duas instâncias que marcaram presença em todas as teorias desenvolvidas para pensar a comunicação: a figura do emissor (na qual o jornalista se enquadraria) e a do receptor/destinatário (naturalmente, onde se encaixaria o público). Para pensadores do jornalismo da era tecnológica, como o argentino Pablo Boczkowski e os norte-americanos John Pavlik e Barrie Gunter, com as possibilidades e ferramentas trazidas pela Internet, essas duas figuras se confundem, e o antes receptor também se transforma em produtor de notícias. Enfraquecendo ou, no mínimo, modificando sobremaneira o papel do jornalista. “Qualquer um com um computador e modem pode se tornar um publisher global”, diz Pavlik no livro Jornalismo e Nova Mídia.

Mas eis que um simpático senhor nascido no improvável Alabama, nos Estados Unidos, e co-responsável por uma das sacadas mais interessantes – e citadas – do pensamento sobre a mídia, vem pela primeira vez ao Brasil, em novembro último, e lança a idéia, a uma platéia de pesquisadores sobre o jornalismo, de que a atividade depende de só um pouco de esforço não só para garantir uma sobrevida, como para se manter na ativa por eras. O moço em questão chama-se Maxwell McCombs, o mesmo que lançou, no agitado 1968, junto com o colega Donald Shaw, as bases da Teoria do Agendamento (Agenda-Setting), através da qual a mídia seria responsável por definir a agenda de temas a serem discutidos e avaliados como importantes pelo público. A palestra foi realizada na Universidade Federal de Sergipe, na conferência de abertura do V Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo.

Trazendo o conceito recente da ‘Cauda Longa’ ao jornalismo – termo criado pelo editor-chefe da Revista Wired, Chris Anderson, transformado em best-seller homônimo, que identifica o investimento em nichos cada vez mais específicos de público como a galinha de ovos de ouro da vida econômico-comercial dos tempos contemporâneos -, McCombs crê existir na Web uma oportunidade de se criar uma “nova notícia”, imbuída de mais profundidade e perspectiva. Partindo do próprio pressuposto de alcance e pluralidade de um veículo tradicional como o jornal, o professor da Universidade de Austin, no Texas, lembra que “um meio de comunicação é formado por várias audiências fragmentadas, que se interessa por setores bem específicos, e não por um único público”. E o alcance a todos esses nichos e ‘sub-públicos’ fica evidente com o recurso da grande rede.

Para se conseguir ‘estender a Cauda’ e encontrar – e fisgar - essas micro-audiências, o pensador do Alabama lança o convite: “let’s cover the swamp!”, o que, numa tradução livre, poderia ser entendido como uma proposta para que os jornalistas fiquem impelidos a cobrir estórias que aparentemente não seriam notícia em mídias tradicionais. Descobrir o que há de interessante na zona ‘pantanosa’ dos acontecimentos que surgem nos lugares e situações mais pueris; esse seria o segredo da vida longa periodista. Pela lógica de McCombs, está nas pequenas interações sociais o nascedouro de todas as coisas que importam. Assim, caberia aos jornalistas dar mais atenção às conversas entre vizinhos, ao cotidiano de associações de bairro, aos campeonatos das ligas de esporte amador, às decisões tomadas nas escolas, ao disse-me-disse dos corredores, enfim, um preocupar-se mais com a vida comum das gentes. “Há informação disponível em todas essas esferas e, o que é mais importante, existe um público latente e potencial para absorver essas notícias”, instiga o professor. Os grandes temas continuarão tendo espaço garantido no jornalismo que se desenha à frente, profetiza o teórico, mas o grande diferencial e o que poderá garantir a sobrevivência do jornalista é, justamente, o investimento nesses assuntos ‘irrelevantes’.

Seriam cinco as pistas para encontrar essas notícias perdidas, com foco no que McCombs chama de “motivos que impelem o público a considerar determinados fatos relevantes”. A quem se aventurar a essa cruzada noticiosa, o quinteto maccombiano para se entender o porquê do interesse em determinados fatos é composto por 1 – interesse pessoal, 2 – conexão com família e amigos, 3 – ligações emocionais, 4 – dever cívico e, por fim, 5 – interesses pessoais idiossincráticos. Ninguém disse que seria fácil, mas aí estão os dados, prontos a serem lançados.

Não por menos a razão de o comunicólogo classificar esse mister como o grande “desafio metodológico” dos que ainda não abandonaram o barco da investigação jornalística. Numa manobra de defesa contra a insistência e o desconforto ao qual os intelectuais são submetidos para nunca deixar de falar sobre suas teorias mais ‘famosas’ e revisá-las – por supuesto, as perguntas acerca do Agenda-Setting continuam sendo formuladas a ele sem dó - , Maxwell McCombs desvia-se de forma magistral: “no momento em que uma teoria é congelada, passa a ser um mero artefato histórico. E não é como peça de museu que quero terminar a minha vida”. Ele não chegou a formular uma declaração aos arautos apressados e ranzinzas da morte do jornalismo, mas que se permita uma licença poética: nada está oficialmente morto até o último suspiro. Até lá, revolvamos o pântano, colegas. Revolvamos o pântano!


quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

tô nem aí...


"Como certamente eu vou desaparecer antes que os jornais desapareçam, não é problema meu. Mas é, sim, um problema da sociedade saber se, como e quando vai-se organizar a imensa gritaria em que se transformou hoje a informação" (Clóvis Rossi)

Nesta sexta-feira, trarei excertos de um breve artigo em que discuto algumas propostas de McCombs (aquele mesmo da teoria do agendamento) a respeito de como o futuro pode existir no jornalismo. 'Inté mais ver.



quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

um corpus que me pertença

procura-se corpus desesperadamente


Enquanto meus alquebrados neurônios fazem hora extra para encontrar, finalmente, um corpus para chamar de meu, divirto-me montando uma versão beta da minha 'Matriz de critérios' para análise de presença de elementos de apuração jornalística em matérias. Contribuições a essa inglória tarefa são mais do que bem-vindas!

1) consulta a mais de uma fonte, de instâncias diferentes do fato
2) uso de informação não-oficiais
3) uso de declarações realizadas via entrevista do próprio veículo
4) pauta própria
5) cruzamento de dados, confrontamento de pontos de vistas
6) riqueza de dados
7) elementos de descrição/narração pormenorizados
8) ‘insights’/fuga do tradicional
9) contextualização dos acontecimentos/fatos
10) informações além das básicas (beyond the 5W)

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

curiosidade premiada

'tá faltando esse livrinho na biblioteca de alguns coleguinhas


quando criança, não me perguntem em que Era, ganhei de presente um livrinho (imagem acima) bacanérrimo, intitulado 'A Curiosidade Premiada'. versava sobre uma menina que torrava a paciência de quem estivesse ao redor, com perguntas de qualquer natureza, a todo o momento.

desconfio que minha mãe, em seus insights de bibliotecária e, naturalmente, amante dos livros, queria na verdade me explicar que, mesmo se impacientando algumas vezes com minhas séries intermináveis de porquês, até admirava esse meu jeito irritante de ser.

os dois parágrafos acima são justificados para complementar o comentário de Marcelo, do blog E você com isso? , sobre como a curiosidade tem se tornado artigo raro entre muitos coleguinhas. E exemplificou com algumas paupérrimas entrevistas ping-pong. Nelas, o esquema parece se repetir na seqüência:

1) o sujeito pergunta
2) 'ouve' a resposta balançando a cabeça como tartaruga
3) ignora solenemente o conteúdo
4) faz outra pergunta sem qualquer referência à resposta anterior
5) emenda com outra pergunta, seguindo seu roteiro infalível

Nesse ínterim, as grandes sacadas se perdem entre uma resposta e outra. E a conversa termina como um grande questionário. Insípido, incolor e inodoro.

Nas minhas aulas de Técnicas de Entrevista e Reportagem (nomenclatura odiosa), sempre lembro aos meninos que as melhores perguntas geralmente nascem das respostas. É só ter ouvidos de ouvir. E uma curiosidade insaciável, por supuesto.

jingle news

partitura 'jinglebelliana'

após o semi-recesso natalino (perdão pela ausência de posts, mas onde estava não havia meios de contactar o ciberespaço), trago a vocês reflexões de um grupo de jornalistas (repórteres, editores e assessores) 'sabatinados' por mim a respeito da sui generis relação profissionais de batente x assessorias x releases.

eu sei, eu sei, ainda estou muito atada ao passado do mestrado. "cadê as reflexões doutorais?", perguntarão os menos afeitos ao uso da paciência. calma, incautos navegantes. elas virão. mas me permitam ainda uma última digressão. vale a pena.

•75% acham que se faz muito uso de releases nas redações

•58% dizem reescrever ou publicar, periodicamente, matérias e notas enviadas por assessorias

•66% afirmam não dispor de tempo suficiente para apurar e escrever

•41% consideram que assessores são boas fontes

•70% entendem assessoria como jornalismo

•75% acreditam que receber presentes pode comprometer uma matéria

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

sobre construções coletivas e afins


Apesar do graaande risco de chover em chão já bastante molhado, encharcado mesmo, não posso me furtar a comentar como a idéia da 'construção coletiva' parece ser, realmente, a parte mais fascinante e imediata de espaços como blogs.


A postagem que eu havia programado para agora versava sobre algo bem diferente (que ficará para amanhã), mas a questão proposta pela leitora (?) Eduarda me obriga - que bom! - a desviar da rota e refletir acerca da seguinte proposição:

"(...) me veio uma questão que queria dividir contigo: será que não falta mais Literatura nas redações? Será que a falta de apuração não é também decorrente da falta de preocupação com o texto em si e o cuidado estético que deveria existir com ele?"

Não sei se me arriscaria a vaticinar a pouca Literatura com uma das 'causas' para o descuido com a apuração, mas decerto também não faço pouco caso dessa hipótese. Não consigo mesmo descolar uma coisa da outra. A combinação parca + pobre + inconstante leitura tem tudo para descambar, no mínimo, para uma produção textual igualmente medíocre.

Impossível não lembrar de um antigo colega de labuta, o qual se recusava a consultar o Aurélio, distante apenas algumas braçadas da sua mesa, sob a alegação de que "não se podia perder tempo" no jornalismo. Ironia ou conseqüência, o fato é que o tempo dele já passou...

em busca do repórter perdido

aparte toda a egotrip, Wolfe sempre vale a pena


"(...) Breslin fez uma descoberta revolucionária. Descobriu que era possível um colunista efetivamente sair do prédio, ir para a rua e fazer uma reportagem com suas próprias e legítimas pernas. Breslin ia ao editor local e perguntava que histórias e que tarefas estavam entrando, escolhia uma, saía, deixava o prédio, cobria a história como repórter e escrevia a respeito em sua coluna. (...) Por mais óbvio que isso possa parecer, esse sistema era algo inusitado entre colunistas de jornal, locais ou nacionais" (p.23 e 24).

WOLFE, Tom. Radical Chique e Novo Jornalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. ( originalmente publicado nas décadas de 60 e 70)


Quando levamos em conta que esse texto de Wolfe se referia a um comportamento jornalístico de ao menos quatro décadas atrás, faz-se necessário lembrar que, no 'modus operandi' dos repórteres, o descaso com a apuração não é algo de todo novo.

No entanto, mais significativo ainda é enxergar que essa ausência da prática investigativa continue tendo guarida nos dias contemporâneos.

Qualquer semelhança com a realidade de trabalho de alguns profissionais não será mera coincidência.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Os porquês



Respondendo a alguns questionamentos, em especial ao comentário de Eduarda, faço o resgate de algumas hipóteses com as quais trabalhei nas minhas reflexões no mestrado sobre as 'causas' para o uso excessivo de material oficial nas redações.

De posse dessa constatação – que nasceu de uma inquietação e continua a me assombrar -, tateei pelas primeiras e mais óbvias hipóteses para isso estar acontecendo:

1. A própria prática profissional e a dinâmica das redações levam os repórteres à produção de um número exagerado de matérias diárias, resultando na falta de tempo de apuração. Assim, o release acaba sendo utilizado para que o profissional consiga dar conta de tudo;

2. Na busca desenfreada e inconseqüente pelo furo, a ordem é sair primeiro com a notícia. A velocidade acaba determinando as condições de trabalho. A assessoria envia uma matéria para o repórter, que, por sua vez, não tem tempo hábil para apurá-la. Mas, já que o mote é “dormir com matéria é acordar com furo”, a notícia acaba sendo publicada sem a devida apuração.

Ao longo do caminho, essas hipóteses primárias deram origem a outra, que, pela maior complexidade e subjetividade, foi descartada do foco da pesquisa de mestrado e, agora, é o coração da minha tese:

3. Há uma tendência cada vez menor nas redações para o conflito. Não no sentido de um jornalismo raivoso e excessivamente combativo, mas falta a alguns jornalistas a compleição pelo questionamento, pela investigação e pela dúvida.

Com raras exceções, o que se ouve é o que se publica. Parece existir um receio de bater de frente contra as fontes. E é nesse jornalismo burocrático que as assessorias encontram uma preciosa brecha para emplacar suas sugestões e até textos prontos.

Essa burocratização faz com que se perca de foco o verdadeiro ‘cliente’ dos jornalistas: o leitor/público/audiência.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

A origem de tudo


Numa tentativa de analisar na prática uma das expressões da acomodação jornalística, a saber, o uso indiscriminado de releases na imprensa, optei por acompanhar (à época do mestrado), durante um mês, a produção de uma assessoria de comunicação e a forma como os comunicados lá elaborados eram utilizados por dois jornais impressos.

Entre os principais resultados - resumidos - dessa análise, podemos destacar:

•Em 1 mês, 80 releases e/ou sugestões pautas enviados pela assessoria de imprensa pesquisada (da UFPE)

•41,2% dos releases foram aproveitados pelos dois jornais

•66% das matérias sobre a UFPE publicadas nos dois jornais vieram da assessoria, sem participação do repórter

•100% das matérias tiveram conceito positivo ou neutro à instituição

• 0% das pautas gerou matérias de conteúdo negativo

•44,7% de notas e matérias foram copiadas ou reescritas dos releases

A que venho e o que procuro

Caríssimos,

Em 2005, eu defendia a dissertação de mestrado CTRL+C CTRL+V, O Release nos Jornais Pernambucanos, sobre a ingerência das assessorias de imprensa na produção jornalística de periódicos do Recife.

A questão que me moveu ao tema era simples: mapear, qualificar e entender o processo que levava os jornais a fazer uso contumaz de informações oriundas de assessorias de comunicação, por vezes relegando o papel de definição de pautas, apuração e até redação final a essas instâncias.

A partir de reflexões advindas dessa pesquisa, cheguei à persona do ‘jornalista cordial’ - expressão calcada no conceito de ‘homem cordial’ de Buarque de Holanda (2003 [1936]), podendo ser definido como aquele profissional que, relegando apuração e compromisso com a busca dos fatos, numa postura de agradar a todos (ou não desagradar a ninguém), acaba por não cumprir sua função social de investigador e responsável por levantar e disseminar informações do interesse dos cidadãos.

Assim como a feliz conceituação do sociólogo, a expressão de cordialidade estaria longe de significar 'boas maneiras’ e civilidade. Tomando de empréstimo essa figura, decidi que a questão demandava maior fôlego. Foi assim que começou a minha pesquisa de doutorado, em março de 2007, pela qual proponho uma investigação extensa (mas não extenuante!) sobre o papel da apuração no jornalismo contemporâneo.

Este blog nasceu da paixão pelo tema. Meu objetivo é fazer desse espaço um lugar de discussões, opiniões e pitacos a respeito dos (des)caminhos da investigação no jornalismo. A enquete ao lado é um começo. Conto com vocês para o enriquecimento dessa minha trajetória.