segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Emulsão Scott


Mesmo incorrendo no risco de parecer bem mais velha do que sou, preciso confessar, para o bom entendimento do porquê da escolha da Emulsão Scott como título, que em menina nunca precisei do reforço desse preparado para abrir o apetite. Ao contrário de vários amiguinhos de infância, eu fui e - desgraçadamente assim continuo - uma esganada por comida. Quem me conhece, sabe do que estou falando. Se permaneço dentro dos padrões 'normais' de IMC, devo tudo aos genes e aos céus.

Eu quis fazer menção ao danado do fortificante com óleo de fígado de bacalhau - grande injeção de ânimo, um convite ao apetite - como figura de linguagem para registrar um momento de enlevo, de pazes para com o jornalismo, o qual presenciei na tarde de hoje.

O diretor-adjunto de redação do Jornal do Commercio de Pernambuco, Laurindo Ferreira, conversou uma tarde inteira com alunos da graduação em jornalismo da UFPE, a convite de Vizeu, orientador da autora destas mal tecladas.

Sem medo de parecer macaca de auditório ou demasiadamente reverente, não poderia deixar de registrar como esse bate-papo atuou como injeção de ânimo, como uma verdadeira Emulsão Scott ao apetite jornalístico desses repórteres-vir-a-ser.

Em resumo, Laurindo traduziu em linguagem simples, direta e com muita densidade, o que nossos estudantes precisam - e esperam - ouvir: que é, sim, factível um projeto jornalístico decente e competente, mesmo em meio à série de constrangimentos, restrições e embates travados diariamente nas redações.

Prova de jornalismo 'perfeito', completamento isento, 'puro'? Claro que não. Mas da possibilidade de desenvolvimento de um jornalismo realizado em meio a negociações, a jogo de cintura, a sensibilidade, ao reconhecimento de que os conflitos e os confrontos fazem parte desse processo.
Dá pra publicar tudo? Naturalmente que não. Mas devemos nos antecipar de tal maneira às supostas decisões dos que mandam e desistir de pautas espinhosas antes de qualquer tentativa de discussão e negociação? Aí seria o berço da autocensura, uma crônica de uma morte anunciada.

O ex-diretor de redação d’O Estado de S. Paulo Sandro Vaia (nos anos de 2000 a 2006), para ilustrar como o signo do conservadorismo político e econômico era absorvido antecipada e preguiçosamente pelos jornalistas, conta (na edição de setembro de 2007 da piauí) que os funcionários pensavam como os donos sem quaisquer reações contrárias e, ainda, sem que fosse necessária a interferência da direção para que isso acontecesse – tamanha era a internalização dos valores: " Um editor executivo dizia, com ironia e propriedade, que um dos grandes problemas da redação do Estadão era 'o Mesquitinha que existe dentro da cabeça de cada um de nós' . Ele queria dizer que, pelo hábito de pensar com a cabeça dos patrões, a redação reprimia a ousadia e tendia para a autocensura."

Foi nesse ponto que Laurindo Ferreira trouxe à luz uma questão primordial à existência de qualquer ambiente de produção noticiosa: o conflito, as diferenças, como catalisadores ao 'arranque' do fazer jornalístico.
Lembrou do caráter primordial que deve mover 'corações e mentes' envolvidos na atividade: "o pensar repórter", nas palavras dele, a eterna predisposição em se pensar a notícia num exercício diário de perspectiva, de um molhar-se de realidade constante.

Eu poderia passar a madrugada escrevendo sobre a tarde de hoje, mas seria contraproducente - para os meus dedos de péssima digitadora e, principalmente, para vocês, minha meia dúzia de leitores pacientes.

Eu só não poderia deixar de fazer o registro de como encontros tão despretensiosos como esse podem valer um vidro inteiro de Emulsão Scott na veia. O da versão reloaded, é claro, que agora é rosada e com sabor morango, bem diferente do gosto tétrico de peixe podre e aspecto idem de outrora.

Um comentário:

Anônimo disse...

José Mourinho......a "Emulsao Scott" do Real Madrí?