segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
A Santa do Oiteiro
Chamem-me antiquadamente crédula, espiritualmente piegas, mezzo espírita/mezzo católica, ecumênica ou simplesmente simpatizante das coisas imateriais e não comprováveis. Podem me enquadrar em qualquer dessas classificações, que nenhum mal estarão me fazendo. Na verdade, confesso de peito aberto que me amarro na Santa do Oiteiro de que falo no título deste post. "Cêça", no linguajar doce dos devotos recifenses, oficialmente conhecida por Nossa Senhora da Conceição, cujo dia de hoje, 08 de dezembro, é dedicado em sua homenagem no país inteiro.
A imagem de Ceça, aqui no Recife, fica localizada no morro homônimo, próximo da minha casa, zona norte. Tenho a sorte de (quase) espreitá-la todos os dias, da área de serviço do meu apartamento. A imagem tem quase seis metros, mas a distância e os prédios acabam impedindo minha visão total. A gente sempre trava umas conversas interessantes - com muitos pedidos, igual número de agradecimentos e troca de olhares (tudo bem, sou em quem olho, ela só aceita o olhar em sua direção).
Há 33 anos, minha mãe, grávida de 9 meses, subiu o morro (numa maldade bem intencionada do meu pai) para agradecer pela minha chegada, que viria menos de um dia depois. Há 7 anos, eu me casava no mesmo dia, pois não me imaginaria participando de qualquer ritual de passagem que fosse caso não estivesse sob a sua bênção.
Não tenho vergonha de dizer essas coisas, mesmo num espaço acadêmico e correndo o risco de ser ridicularizada pelos meus pares. Cresci vendo os romeiros de azul e branco, decorei e cantei à exaustão a belíssima versão de uma agência de publicidade para o hino da santa (incessantemente veiculada na programação televisiva dos anos 80, em Pernambuco), agarrei-me a ela nos momentos mais punk, bem como nos de maior redenção da minha vida.
Iria passar por uma cirurgia definitiva? Lá estava ela em meus pensamentos. Os médicos vaticinavam que eu nunca seria mãe? Meu pensamento era nela. Varava a madrugada sofrendo as dores do parto? Dona Ceça estava lá, olhando para mim do seu morro. Iria passar por um, por dois partos? Em ambas as vezes ela me acompanhou, através de um papelzinho que foi devidamente amassado a cada aparição violenta das contrações. Eu e minhas meninas levamos a marca - Maria - no nome. É lógico, e podem rir à vontade, mas foi uma forma de prestar nossa admiração e agradecimento.
Até fiz um paralelo com o jornalismo para 'justificar' meu post-reverência. Numa sacada de mestre, instalaram uma câmera na parte superior da imagem, aqui no Morro da Conceição, para transmissão em tempo real do "olhar da santa". Até poucos minutos, estava no ar. Agora, não mais. O link deve ter caído. Uma pena. Daria um belo comentário sobre o caráter de ubiqüidade que o jornalismo insiste em passar ao mundo. Mas que não se iguala, perdoem-me os céticos colegas, à presença natural, assustadoramente forte e igualmente singela, que a santa do oiteiro tem sobre mim e todos os seus milhares de almas vestidas de azul e branco, hoje e sempre.
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Um comentário:
Maria, nunca deixe que o meio acadêmico te torne uma cética. Sinto isso na pele na minha turma - estamos indo para o 3º Período - onde parece que eu, que sou assim como você, mezzo-espírita, mezzo católico, pareço ser a criatura mais religiosa da classe inteira. Parece chique, cult, ou seja lá qual o termo na moda, ser ateu ou agnóstico.
Parece ser cool não acreditar em Deus, zombar das organizações religiosas ou não acreditar em nada que ultrapasse a esfera do material, do tangível aos sentidos.
É bom saber que alguém, mesmo tão nova, no meio acadêmico, ainda guarda esse tipo de religiosidade.
(Ah, e eu lembro desse comercial dos anos 80 também!)
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